Sartoris
William Faulkner
Cosac Naify. 2010
Faulkner ganhou o Nobel de
literatura em 1949, 22 anos depois deste que foi praticamente a estréia na
literatura. Ainda que eu seja muito reticente quanto a prêmios, e em especial o
Nobel não tem muita moral, porque depois de não premiarem o Guimarães Rosa, O
Borges e o Joyce nenhum premio pode ser levado a sério, resolvi fazer um
exercício, de qual seria a razão LITERÁRIA, e não a política, para este premio.
Uma consideração que talvez soe inútil, mas que serve como fio condutor de
algumas reflexões.
A primeira idéia que me ocorre, é
que os suecos resolveram premiar um autor que consegue fazer da sua aldeia o
mundo, para usar o mote sobre a literatura preconizado por Tolstói. O povoado
fictício, mas claramente fincado no sul dos EUA é o cenário e palco para dramas
daqueles roceiros caipiras e turrões, racistas, machistas e toscos, que
entretanto falam de todos nós o tempo todo.
A segunda idéia me é mais
instigante: a academia conseguiu perceber como o autor fazia na escrita, a
língua inglesa tossir, engasgar, emudecer, tergiversar. A escrita não é fluída,
como não é a vida, nem as relações, os sentimentos e os diálogos. Seu texto nos
obriga a um esforço para entender o movimento, o andamento dos fatos e episódios.
Como num jardim japonês, nada se mostra inteiro, você precisa sair do seu lugar
para ver o que está ocorrendo.
Mas é a terceira idéia que me
seduz mais. Há a história, ou as histórias, personagens que se misturam,
brigam, amam e desenrolam a narrativa, mas há algo que subjaz ali, é a fala
sobre o tempo, sobre as perdas, sobre uma história que atravessa,
inexoravelmente e deixa tudo e todos para trás, num passado, que por mais que
seja repisado e rememorado, é passado. Fala das marcas, duras, deixadas por
eventos, relações, escolhas, acidentes e sortes, cicatrizes nos corações, nas
falas, nos medos e expectativas.
Sartoris é o sobrenome da família
protagonista. O velho Bayard Sartoris é o turrão patriarca da família, reduzida
agora a Uma sobrinha de 80 anos e o filho Bayard, gêmeo de John, morto em
combate em frente a seus olhos que nada pôde fazer para evitar isso. Esses são
os vivos, mas é com o time dos mortos que a história se completa, a esposa
falecida, o filho perdido na guerra, o irmão que escolheu voar num avião
destinado a não funcionar, chefes, subordinados, escravos, tempos de outrora
que são relembrados, que servem de âncora, lastro, peso morto, obstáculo à
vida.
Nem vou tentar resumir a
história, porque ela não tem a menor importância. Importa o clima, denso, no
qual pequenos eventos são marcas que sempre se ligam a essa história de fundo,
a história dos Sartoris, imutáveis, turrões, difíceis. É o tempo que não muda,
mesmo quando o progresso e as mudanças sociais parecem inevitáveis. Eles não
mudam. O local não muda. Nada muda neles. E talvez por isso, sua decadência é inevitável, visível a todos mas não afirmada por ninguém, eles são o retrato do fim de uma era.
E a vida segue, e
ganha o jogo...
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