Repórteres de Guerra (The Bang-bang Club, 2010)
Então faz de conta que existiu um mundo no qual quem tinha a
pele branca dominava quem tinha a pele preta, e que nesse mundo fictício, os
negros eram tratados como coisas de segunda categoria e os brancos, mesmo sendo
minoria e estrangeiros conseguiam seguir mandando e desmandando, matando e
desaparecendo com quem quisessem. Aí um belo dia começa a ocorrer um movimento
de autonomia negra e um líder (preso e miraculosamente não morto) aparece como
aquele que pode ser a saída para os negros fodidos, e para os brancos que já
estavam sendo escorraçados no cenário internacional. E então Nelson Mandela
ganha a eleição, a ANP entra para o governo e a barbárie do Apartheid acabou,
formalmente pelo menos.
Pensar que estou falando de algo que não tem sequer 20 anos
é surpreendente. Porque o muro de Berlim caiu em 1989, e o colapso da União
Soviética e do Comunismo como regime de governo é celebrado e indicado como um
passo fundamental do que vivemos hoje. Mas, o fim do Apartheid não teve o mesmo
impacto nem celebração. A violência segue, a pobreza segue e as diferenças
seguem, igualmente intoleradas. Nos anos
pré eleição Sul Africana os brancos manipularam uma etnia, os Inkata, para
acirrar os conflitos com os Zulus, partidários de Mandela e da ANP,
intolerâncias tribais usadas para a manutenção do poder dos brancos. Simples
assim, sujo assim, violento assim.
Um grupo de fotógrafos está no local, prato cheio de fotos e
violência cotidiana. Zulus contra Inkatas, Inkatas contra Zulus, polícia
descendo a lenha, não faltavam situações para fotos impactantes,
constrangedoras, vergonhosas. Mas a coisa seguiu muito tempo. O filme conta a
história desse grupo, sua formação, o nome meio dado de brincadeira, os riscos
e situações que viveram, o fim do grupo com a morte de dois dos fotógrafos.
Acompanha a transição final, os estertores do regime genocida sul africano, e
os prêmios ganhos (dois Pulitzers) um deles na Africa do Sul, o outro no Sudão,
com uma das fotos mais impactantes que conheço:
A foto é de Kevin Carter, e não seria injustiça dizer que o
filme todo é pretexto para a história desta foto e do que ela representa.
Porque ele foi atacado por não ter feito nada para salvar a menina que logo em
seguida foi comida pelo abutre, “porque você não a salvou?” e possivelmente essa
foi uma das razões de seu suicídio.
Mas sua foto salvou milhares de outras vidas, pelo
constrangimento ocidental que causou e pela culpa de nossa imobilidade frente a
situações absurdas como a que essa foto retrata.
Entretanto, a questão segue sem resposta: qual é a ação que
o artista pode, deve, tem de fazer no mundo, quando este mundo demanda tantas
ações (e confortavelmente sentados aqui questionamos isto...)? É o produzir
artístico ação suficiente? É pelos desdobramentos que uma ação seria
suficiente? Há algo que seja suficiente? Poderíamos aceitar os limites de nossa
ação num cenário como esse?
Escolher trabalhar com fotos de guerra é uma decisão
pessoal, uma mistura de acaso, surpresa, ilusão, oportunidade. Mas já o indicou
Nietzsche em um momento de sua obra, que tomássemos cuidado, pois ao olhar o
abismo firmemente, nós também corríamos o risco de tornar-nos abismo...