terça-feira, 27 de setembro de 2011

A noite do Oráculo - Paul Auster - Projeto Um livro sempre


A noite do Oráculo - Paul Auster

A criação de uma história dentro da história é conhecida há séculos, desde pelo menos Shakespeare (se não quisermos tomar a alegoria da caverna de Platão como o exemplo mais remoto) temos essa estratégia, que organiza dentro de uma narrativa, uma outra história, que se articula com a primeira de modo a iluminá-la, complementá-la, criticá-la e outras possibilidades de articulação. Quando um autor faz isso, está conscientemente criando um jogo de referencias, no que o leitor pode entrar e sempre corre o risco de se perder, ou de pelo menos não ter certeza do que deveria encontrar.

Quando um romancista escreve uma história, está criando o primeiro nível de articulação, do que escreve com o mundo que vive, e que vivemos nós que o leremos. Ele cria um universo que ao mesmo tempo é “à parte” e se liga ao cotidiano, e esta é uma das características da arte. Quando Paul Auster cria uma história de um escritor às voltas com a tentativa de fazer um novo romance, faz da sua narrativa um evidente convite a que pensemos o oficio, dificuldades e possibilidades do escrever.

Quando a essa narrativa adiciona elementos que interatuam com a história que o personagem-escritor tenta escrever, implica o leitor no jogo de reflexos que se abrem ao infinito, o jogo de referencias apresenta-se quase interminável, com detalhes que podem ser interpretados e relacionados de muitos modos, aberturas de sentidos e possibilidades de entendimentos variados. Esta é outra das características da arte.

Auster é dos gringos um dos que mais gosto, não de todos seus livros, mas alguns tem essa beleza e complexidade, ternura e carinho para com o leitor, sem pieguices, sem concessões fáceis, sem abrir mão de criar espaços de instigação, para que possamos sempre ir mais alem.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

José e Pilar - Projeto Um filme quando valha a pena


José e Pilar

Documentários são sempre ariscos, é duro conseguir ver um que não foge da nossa vontade. Muitos são chatos, mal feitos, perdidos. Biografias são a pior espécie de filme que quer se levar a sério, tendenciosos, meio óbvios, explícitos até na forma de contar a história que de algum modo já se sabe onde vai terminar.

Por isso talvez tenha sido tão bacana assistir José e Pilar do Miguel Gonçalves Mendes, todos sabemos que o Saramago morreu, e velhinho, assim como sabemos que a Pilar era a que inspirou e alegrou a vida dele no últimos bons anos de vida. Mas a forma de fazer isso aparecer faz do filme uma obra linda e imperdível.

São os últimos anos de Saramago, abarcando a inauguração da Fundação Saramago em Lanzarote, onde eles viviam, e a publicação da Viagem do Elefante, que seria seu último livro, caso ele não tivesse tido uma idéia, no meio da tour de divulgação, para Caim, mas isso não aparece no filme.

E nesses anos, vemos o decaimento, a lenta aproximação da morte, tratada de modo tão doce e leve nas Intermitências da Morte, mas não por isso menos presente, incômoda ainda que, aparentemente, não ameaçadora. E vemos um Saramago risonho, piadista, cínico sem ser agressivo, humorista inteligente que não perdia bola nenhuma, e aproveitava para fazer piada de si, do ofício de escritor, dos jornalistas, da morte...

E são tantas as colocações bonitas, inteligentes, críticas que passamos o filme felizes de poder estar mais perto do autor, de outro modo do que o temos quando lemos. E há pessoas que ao lermos temos uma impressão muito diferente da que sua pessoa nos dá em entrevistas ou encontros sociais. Saramago parece ser no filme o mesmo que escrevia, e o vemos com o mesmo prazer e interesse.

A viagem do elefante não é o meu preferido dele, mas a articulação entre a viagem de Saramago no filme e do personagem título no livro vai-se abrindo em vários sentidos, um deles, a viagem final. E de viagens o filme não tem falta! Vão a vários locais para lançamentos, autógrafos, conferencias e homenagens.

E tem a Pilar também, que o filme não se chama José E Pilar por acaso, esse E implica que ela não é coajuvante, nem no filme e aparentemente nem na vida do seu José. Suas espanholices são muito divertidas (pelo menos para quem acha os espanhóis divertidos), e sua ação fundamental para que Saramago pudesse fazer o que necessitava, sem preocupar-se com o operacional.

Um belo filme, dos raros que vale a pena indicar.