Underground – Mentiras de
guerra
Diretor: Emir
Kusturica
Iugoslávia: 1995
Um grande filme conta histórias,
não uma história apenas, mas várias, e não por ter vários personagens, mas por
desenvolver várias narrativas simultaneamente. Fala-se de várias coisas, todas
entrelaçadas, como, por acaso, é a vida de cada um de nós, de nossas famílias,
grupos, países, etc, etc, etc
O que foi a Iugoslávia
desmembrou-se depois de uma guerra genocida, que não é fácil de entender, dada
a complexidade dos participantes de diferentes regiões, etnias e credos, mas
podemos sempre partir do pressuposto que se houve uma guerra é porque havia
interesses vários em jogo, e nem sempre interesses bonitos.
Há os interesses pessoais, e
temos dois personagens principais, amigos-irmãos, Marko e Blacky, que se
divertem, sacaneiam os outros, se viram para sobreviver. Com a invasão inimiga
o país fica de pernas para o ar e por um acidente Blacky se fere e Marko o
esconde num porão, com mais uma dezena de camaradas comunistas. Lhes pede que
produzam algo para lutar contra o inimigo, que segue como invasor. Num determinado
momento isso deixa de ser verdadeiro, e o interesse de Marko, de roubar a
mulher do amigo prevalece e ele os mantem no porão mesmo com o fim da invasão,
mantendo a farsa, uma das mentiras da guerra, que tudo segue igual.
A traição vai de mal a pior, não
há saída que não a queda do disfarce, que ocorre por outra guerra, agora a da
dissolução da Iugoslávia, e a irrealidade da vida no porão necessitará
confrontar-se coma irrealidade do mundo atual, numa outra guerra tão irreal
quanto a que eles viveram anos e anos trancafiados.
O filme é uma pérola poética,
porque se há algo que só o cinema pode fazer, é traduzir em imagens o que o
pensamento faria com mais lentidão ou dificuldade. Há cenas antológicas, e
destaco apenas a final, na qual os mortos do filme (só alguns, afinal, é um
filme de guerra e morte é o que não falta nunca...) se encontram num novo
território, o qual vai separando-se (como a Jangada
de Pedra de Saramago) do continente, vagando à deriva, enquanto a festa
continua rolando solta...
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