terça-feira, 12 de agosto de 2014

Breve Romance de Sonho - Projeto Um livro sempre



Breve Romance de Sonho

Arthur Schnitzler
Editora Folha, 2003

Quando Schnitzler escreveu este realmente breve romance, a literatura já tinha dado alguns passos na direção do fluxo de consciência e da construção de uma narrativa onírica que rompia com o padrão vigil de contar uma história mais ou menos lógica, com encadeamantos mais ou menos razoáveis e desfechos mais ou menos coerentes. Mas ainda não tínhamos o Finnegans Wake, que viria à luz 13 anos depois deste livro, e que romperia em definitivo com qualquer possibilidade de compreensão desperta do universo do sonho, mas essa é outra história e fica para outra resenha, a do Finnegans Wake...

Quando Scnitzler escreveu seu Breve Romance do Sonho, Freud já era conhecido e a teoria psicanalítica dava passos mais firmes no terreno da compreensão do inconsciente. Mas Schnitzler não era psicanalista, mesmo sendo médico e psiquiatra de formação, tomou a literatura como o que ela é: criação de um universo narrativo artístico, não uma elaboração científica de teorias. Por isso este romance tem uma rapidez e intensidade que surpreendem e provoca uma certas vertigem, pela velocidade na que se conta a história, mas principalmente, pelo modo como se cria um ambiente de sonho, de irrealidade, de incompreensão do que está ocorrendo.

O marido é um médico. Depois de uma festa à fantasia, onde ocorre algum flerte e um certo clima insinuante com parceiras e parceiros, o casal fica mais ativo eroticamente. A esposa resolve contar uma fantasia que teve algum tempo atrás, que não vingou, mas deixa o marido completamente atônito e com a sensação de traição muito marcada. A partir daí, numa escalada de irrealidade e incursão no mundo das sombras do erotismo, ele vagará até quase entrar no reino da morte. O trajeto é feito pelos encontros com diversas mulheres, a filha de um paciente que acaba de morrer, e se declara apaixonada por ele; uma prostituta que recusa na hora H; a filha adolescente do dono da loja de fantasias e por fim as mulheres nuas no ritual que ele consegue entrar sem ser convidado e da qual é retirado a salvo pela intervenção de uma das beldades que se oferece para ser punida em seu lugar.

Retorna ao mundo vigil, mas o que viveu naquela noite o acompanha, e ele refará o caminho agora desperto, reencontrando as mulheres que pela noite despertaram sensações intensas, desejos proibidos, insinuações reprimidas. Os reencontros entretanto não serão o que ele deseja, não há a concretizacão de nenhuma das possibilidades ou promessas imaginadas, apenas a decepção e o medo de ultrapassar limites. O sonho não se pode viver acordado.

Terminará ele contando tudo à esposa, para poderem voltar à rotina. Se voltarão ou não, não sabemos. Sua filha ri na sala e o livro termina.

Stanley Kubrick fez uma adaptação brilhante do livro em seu último filme, De olhos bem fechados, tomando algumas liberdades narrativas que intensificaram o clima mais paranóico do personagem, a trama mais policial ficou ressaltada, sem perder o estranhamento do livro, que fica como um marco da narrativa que provoca o leitor nesse diálogo esquisito entre o sonho e a sobriedade vigil. Nunca há uma saída fácil.




Nenhum comentário:

Postar um comentário