Breve Romance de Sonho
Arthur Schnitzler
Editora Folha, 2003
Quando Schnitzler escreveu este realmente breve romance, a
literatura já tinha dado alguns passos na direção do fluxo de consciência e da
construção de uma narrativa onírica que rompia com o padrão vigil de contar uma
história mais ou menos lógica, com encadeamantos mais ou menos razoáveis e
desfechos mais ou menos coerentes. Mas ainda não tínhamos o Finnegans Wake, que
viria à luz 13 anos depois deste livro, e que romperia em definitivo com qualquer
possibilidade de compreensão desperta do universo do sonho, mas essa é outra
história e fica para outra resenha, a do Finnegans Wake...
Quando Scnitzler escreveu seu Breve Romance do Sonho, Freud
já era conhecido e a teoria psicanalítica dava passos mais firmes no terreno da
compreensão do inconsciente. Mas Schnitzler não era psicanalista, mesmo sendo
médico e psiquiatra de formação, tomou a literatura como o que ela é: criação
de um universo narrativo artístico, não uma elaboração científica de teorias.
Por isso este romance tem uma rapidez e intensidade que surpreendem e provoca
uma certas vertigem, pela velocidade na que se conta a história, mas
principalmente, pelo modo como se cria um ambiente de sonho, de irrealidade, de
incompreensão do que está ocorrendo.
O marido é um médico. Depois de uma festa à fantasia, onde
ocorre algum flerte e um certo clima insinuante com parceiras e parceiros, o
casal fica mais ativo eroticamente. A esposa resolve contar uma fantasia que
teve algum tempo atrás, que não vingou, mas deixa o marido completamente
atônito e com a sensação de traição muito marcada. A partir daí, numa escalada
de irrealidade e incursão no mundo das sombras do erotismo, ele vagará até
quase entrar no reino da morte. O trajeto é feito pelos encontros com diversas
mulheres, a filha de um paciente que acaba de morrer, e se declara apaixonada
por ele; uma prostituta que recusa na hora H; a filha adolescente do dono da
loja de fantasias e por fim as mulheres nuas no ritual que ele consegue entrar
sem ser convidado e da qual é retirado a salvo pela intervenção de uma das
beldades que se oferece para ser punida em seu lugar.
Retorna ao mundo vigil, mas o que viveu naquela noite o
acompanha, e ele refará o caminho agora desperto, reencontrando as mulheres que
pela noite despertaram sensações intensas, desejos proibidos, insinuações
reprimidas. Os reencontros entretanto não serão o que ele deseja, não há a
concretizacão de nenhuma das possibilidades ou promessas imaginadas, apenas a
decepção e o medo de ultrapassar limites. O sonho não se pode viver acordado.
Terminará ele contando tudo à esposa, para poderem voltar à
rotina. Se voltarão ou não, não sabemos. Sua filha ri na sala e o livro
termina.
Stanley Kubrick fez uma adaptação brilhante do livro em seu
último filme, De olhos bem fechados,
tomando algumas liberdades narrativas que intensificaram o clima mais paranóico
do personagem, a trama mais policial ficou ressaltada, sem perder o
estranhamento do livro, que fica como um marco da narrativa que provoca o
leitor nesse diálogo esquisito entre o sonho e a sobriedade vigil. Nunca há uma
saída fácil.
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