terça-feira, 28 de agosto de 2012

On the Road – Na estrada. Projeto Um livro sempre


On the Road – Na estrada – Jack Kerouac

Dentre as inúmeras lacunas esta era uma das que vivia aparecendo, seja pela citação do livro, seja pelos rumores que Walter Salles estava filmando, seja por outras articulações. Quando o filme foi lançado decidi que era hora de fazer o caminho rápido e comprei e comecei a ler o livro antes de ir ao cinema. Vi o filme e não o recomendo, não é um filme que valha à pena, tem o ar datado, e vale muito mais como o exercício e a vitória de ter enfim feito película o livro que tinha essa aura de impossível.

Mas falo do livro. E infelizmente creio ser o filme melhor que o próprio... nada muito diferente para dizer. Não acho o Kerouac o melhor dos beatniks. Ferlinguetti e Ginsberg na poesia, mas principalmente Neal Cassidy na prosa o ultrapassam em muito, na qualidade do que escreveram e na intensidade que o movimento apregoava. Kerouac é como o personagem alter-ego do livro, Sam Paradise, um moleque rebelde sem causa, que quer viver experiências intensas para poder escrever sobre elas, não alguém que não tem outra opção existencial que não o extremo. E isto faz toda a diferença...

Então temos as idas e vindas do narrador, da costa leste para a oeste, a volta, as idas, retornos, paradas, namoricos, paixões que vem tão intensamente como vão, sexo, sexo, sexo, drogas, drogas, drogas, bebop, bebop e bebop, e uma tentativa de indicar como isso era legal e bacana e que aquilo é que era a vida. Pegar carona, encontrar vagabundos nos trens de carga, perder-se no mundo e descobrir-se sem tostão nem rumo, ligar correndo para a titia mandar dinheiro para poder voltar (essa é uma das indicações que ao contrário de outros membros do movimento, Kerouac tinha uma salvaguarda confortável para protegê-lo) e voltar para a farra, sexo, drogas e bebop num loop cansativo e aborrecido. Chega um momento em que você se pergunta se é só disso que tratará o livro, dessa tentativa de sair correndo e achar que vai ser legal “porque sim”. E depois de algumas páginas sim, parece que é isso mesmo. Chega um momento que você quer que o livro termine, porque ele é repetitivo, aborrecido e cansativo, nada “incômodo”, revolucionário ou subversivo.

E talvez esse seja um dos principais problemas em relação a Kerouac e ao On the Road: criou-se uma aura que o livro não merece. A subversão não se dá nessa tentativa destemperada de viver intensamente, muito bem definida por um personagem do livro como uma corrida sem sentido com um toque de psicopatia esquizofrênica, nem se dá em nenhum outro momento do livro. Não é gratuito que o autor tenha morrido gordo, conservador e vivendo na casa da mamãe, tendo brigado com todos os amigos beats, a quem xingava de comunistas, o fogo de palha do livro e dessa forma de vida besta queimou e não fica nem uma brasa para manter acesa essa beleza da juventude, seja qual for a beleza!

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Submarino - Thomas Vintemberg Projeto Um filme quando valha a pena


Submarino
(DIN.2010)
Diretor - Thomas Vintemberg

Vintemberg já havia dirigido “Festa de Família” filme porreta (e porrete) participante do movimento Dogma, aquele criado pelo Lars Von Trier, baseado em 10 dogmas. O filme era uma soco no estômago mostrando os bastidores de uma família que se reúne para a comemoração de data chave, estragada ela revelação do que se passara décadas atrás entre papai e filhinhos.

Agora assisti a este outro filme, menos perfuro-cortante mas tão intenso quanto aquele. Talvez mais cinema e menos discurso, mais estético sem deixar de ser incômodo (e muito!!).

Dois irmãos cuidam de seu irmãozinho bebê caçula, enquanto a mãe bebaça apronta e dá baixaria grossa. O bebê é a única possibilidade de amor e luz num território de tristeza, abandono e desagregação. O bebê morre. O que acontecerá na vida dos dois irmãos.

E é nesse ir em busca da resposta de “o que ocorreu depois?” que o filme traça a devastação da falta de propósito numa vida sem rumo e sem para quê. Dois irmão que se separam e se reúnem, e que só no final do filme, na última cena, temos a resposta não do que ocorreu, mas do que pode então, a partir desse rastro de ausência de afetos e vida, desastres e perdas, servir como norte.


Como aviso aos navegantes, cuidado para não confundir com filme homônimo, também de 2010, mas dirigido por Richard Ayoade, e que é uma bobagem desnecessária. 



sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Medianeras - Projeto Um filme quando valha a pena


Medianeras 

(ARG.2010)
Diretor: Gustavo Taretto

Fala-se muito que o cinema argentino dá um pau no brasileiro, naquele fla-flu estúpido que a gente replica para poder afirmar alguma bobagem inútil. Temos o Lavoura Arcaica, eles tem filmaços também, então saindo desse antagonismo tonto vamos ao cinema de los hermanos!

Eles fizeram dezenas de filmes sobre a ditadura, pessoalmente cansei de ver o tema, que nem é leve nem agradável, mas sempre acho que um filme não precisa ser sobre temas leves ou agradáveis para ser bom (por sinal é quase o contrário...), mas cansei, como filmes do holocausto nazista, cansei, verdade que quando aparece um A queda ou um O dia em que eu não nasci, vejo que não existe tema que não possa ser revisitado criativa e poéticamente.

Bom, todo este prelúdio para falar de um filme argentino que nem é da ditadura e nem do holocausto, mas uma história de amor, moderna sem ser modernosa, contada de modo leve sem ser superficial, engraçada sem ser boba, e palatável sem ser inócua, ou seja vários adjetivos positivos para um tema difícil de não cair na vala dos clichês de filme de amor.

E não é que o filme não passe por alguns dos clichês, passa, a menina que está sozinha e o cara que também está. Cada um com uns rolos que não dão em nada porque não se corresponde à expectativa e necessidade recíproca. Ela é ativa, ele tímido e recluso, ela sonha, ele sonha, ele tem um totó e ela manequins, e por aí vai, vários elementos que poderiam nas mãos de um diretor boçal resultar numa novelinha básica.

Mas ao contrário temos um filme que ambientado em Buenos Aires, usa da cidade como cenário psicológico da trama, insere os personagens não em qualquer cidade, mas NESTA cidade, e a análise da dinâmica urbana é central para a dinâmica dos personagens, suas dificuldades e soluções (que nem sempre solucionam algo...). Diz-se que filmes de amor são todos iguais, e muitas vezes são mesmo, porque repetem uma mesma trama abstratamente formatada, mudando o nome e o jeitão dos que a representarão, aqui temos a graça de fazer esta uma história que ocorre só porque é neste cenário que ela poderia se desenrolar.

E deste cenário o nome do filme. Porque medianeras é o nome dado às laterais dos edifícios, aquelas superfícies lisas e sem janelas ou recortes, chapadas, sem graça, sem expressão, a face pobre de qualquer edifício. Usados urbanamente como gigantescos outdoors tentam esconder o que são: o nada, o que fica entre a frente e a traseira do prédio, mas um nada “em si” que serve apenas para isso que são tomados, espaço em branco para preencher de ilusões. E é nesse espaço que os moradores dos prédios abrem janelas irregulares e ilegais, criando espaço que não existem no território dado, uma metáfora lindamente subversiva do poder que temos...

Pequenas pérolas, sacadas, frases, detalhes. Um filme para ser assistido sem a pretensão de um clássico, mas com a atenção para as sutilezas, que são sempre essenciais!!





terça-feira, 7 de agosto de 2012

Barcos de cascas de melancia - Projeto Um filme quando valha a pena


Barcos de cascas de melancia
(TUR.2004)
Diretor: Ahmet Ulucay

A Turquia tem essa riqueza que raramente chega aqui, então é sempre um bom motivo para ver um filme quando ele tem essa origem, corremos sempre o risco de ver algo delicado, diferente, interessante e provocativo. Este filme é dessas pérolas que infelizmente correm o risco de passarem despercebidas.

Dois amigos saem do campo, para lá dos cafundós e vão à cidade (que é um pequeno povoado, mas menos cafundó que o sítio onde cada um mora) trabalhar, um como ajudante de barbeiro e o outro como ajudante de vendedor de melancia. Sofrem, o primeiro com as pancadas do chefe bruto e o segundo com os amores incandescentes pela menina linda e mais velha, as dores dessa transição para tornarmo-nos o que somos, e só pelo modo da narrativa já valeria a pena ver este filme.

Mas há mais. Ambos tem amor pelo cinema e tentam construir com recursos brancaleonescos os projetor para lá de mambembe. Claro que este não funciona, a mãe do dono do “cinema” queima os pedaços de filme que eles ganham do dono do cinema da cidade, não lhes faltam dificuldades e impossibilidades mas, eles continuam, e continuam sonhando com o cinema, com dinheiro, com o amor. Porque talvez nada mais possa existir que não o sonho, assim como se não fosse pelo sonho, o que mais os manteria vivos?

E este é o filme. Lindo título, explicado em um momento do filme, quando um deles afirma que barcos feitos de cascas de melancia afundam rápido. Provocação para os que assistimos: e nossa ilusão, análoga muitas vezes à deles, é ela também um barco desse material?




quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O ouriço - Projeto Um filme quando valha a pena


O ouriço

Baseado no livro A elegância do ouriço, da francesa Muriel Barbery, o filme foca 3 personagens e as interações entre eles. A narradora Paloma é uma pentelha de 11 anos, como toda pentelha e de 11 anos acha que sabe tudo e decidiu matar-se no 12º aniversário para não viver uma vida besta como a irmã, mãe, bem... como o resto do mundo. Como ela é 1º francesa e; 2º menina, já escapamos do modelo pentelho sabe-tudo de Hollywood, o que lhe confere ao fim das contas uma graça e até uma simpatia, ganha no decorrer de seu amadurecimento.

O filme foca o que seriam os seus “últimos” 11 dias de vida, e sua descoberta da zeladora do prédio, uma mulher seca, dura, ríspida, mas que possui um quarto fechado atulhado de livros, que lê com a televisão ligada para disfarçar seu refinamento. Vive reclusa num mundo com seu gato e seus livros alto nível, cuida-se exclusivamente no campo intelectual e, claramente não acredita na raça humana.

Será descoberta também pelo novo morador, um empresário japonês, Ozu, que de cara responde a uma farpa dela sobre os moradores do prédio: “todas as famílias felizes são iguais”, com o que Tolstói inicia seu Anna Kariênina, “mas as famílias são infelizes cada uma à sua maneira”. Desconcertada ela percebe que foi pega em flagrante delito de ser alguém que busca a arte e o belo, saindo da esculhambação da (falta) de cultura de massa.

Não conto como as interações se dão. Não conto o fim do filme, bastante razoável. Recomendo não só o filme, como o livro de Muriel Barbery, na minha opinião mais rico e complexo que o filme, desdobrando o amadurecimento da Paloma-narradora e o sutil desvelar da elegância do ouriço, metáfora feita para descrever a zeladora, mas que certamente serve para dizer de uma das possibilidades para viver neste mundo...