quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Palmeiras Selvagens - Projeto Um livro Sempre



Palmeiras Selvagens (1939)


William Faulkner
Cosac Naif 2009

Há momentos na literatura que nos perguntamos como o autor consegue, usando os recursos disponíveis para qualquer escritor, escalar um patamar novo, diferente, mais poético, mais radical. Faulkner já o fizera em seu O som e a fúria, levando ao paroxismo fazer da escrita não um retrato do mundo, mas a construção de um outro mundo, o das letras, o da arte, o da sensibilidade.

E passados poucos anos, ele cria não um, mas dois mundos novos. Palmeiras selvagens é a história do médico apaixonado que abandona tudo para ficar com uma esposa e mãe que também larga tudo para ficar com ele. E nos abandonos fazem um pacto de não abandonarem o amor, não se deixarem matar pela rotina e institucionalização de um casamento, de uma metódica repetição das vidas sem sentido.

O velho é a história de um condenado que por causa de uma inundação consegue um barco e atravessa uma provação para chegar ao lugar de onde saíra, encontrando e salvando uma parturiente no caminho e vivendo histórias inacreditáveis.

As histórias não tem aparentemente um diálogo entre si, os personagens não se encontram e não participam do mesmo tempo-espaço. São por isso, dois mundos literários distintos. Entretanto, e esta é a questão mais bela do livro, as histórias intercaladas no livro tangenciam temas, nunca explicitando-os, nunca escancarando essa sutil ligação, essa delicada articulação. Morte, sexo, desejo, identidade, valores, filhos, liberdade. Temas que se desenvolvem numa história, e que de outra forma, com outro enfoque, a partir de outra intenção, serão tocados, organizados, lapidados na outra. Nunca numa troca, nunca numa conexão, mas por meio de uma leve insinuação, fazendo uma quase imperceptível iluminação mútua.

Delícia de livro em mais uma excelente edição da Cosac Naif. Imperdível!!


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Onde sonham as formigas verdes - Projeto Um filme quando valha à pena



Onde sonham as formigas verdes

Werner Herzog
Alemanha Ocidental / Austrália 1984

30 anos atrás existiam duas Alemanhas, a do lado “de cá” tinha o Herzog fazendo filmes estupendos, dentre os quais este merece um carinho especial. Faz muito tempo, e ao mesmo tempo é tão recente!!!

Há muito, mas muito mais tempo ainda, houve o Tempo dos Sonhos, o tempo mítico dos aborígenes australianos, que no filme se reúnem para impedir explosões na terra que lhes é sagrada. Ali dormem e sonham as formigas verdes, elas sonham o tempo, o tempo dos sonhos em questão. Se as explosões coordenadas pelo geólogo Lance Hackett ocorrerem, elas irão embora e o mundo vai acabar.

Curiosamente o caso vai aos tribunais, e mais curiosamente o juiz é um cara muito consciencioso e razoável para as idiossincrasias culturais em questão. Não tão curiosamente assim eles perdem a causa e as formigas irão embora, como o tempo dos sonhos, como todo universo mítico/poético.

Há várias cenas inesquecíveis, emblemáticas da ruptura epistêmica e de imaginário que os separa dos ocidentais. Um grupo de aborígenes está no supermercado, sentados ao lado do sabão em pó e cera de sapatos, o geólogo pergunta ao atendente o que seria aquilo e ouve que ali estivera a única árvore de toda região, onde os pais vinha sonhar seus filhos, porque primeiro os pais necessitam sonhar os filhos para depois eles poderem nascer. Digam-me se a metáfora não é absolutamente poética e doce?

No tribunal um dos aborígenes começa a manifestar-se, mas ninguém pode traduzi-lo, o juiz interpela os outros aborígenes, pois aquele que falara havia sido descrito como mudo. Na verdade, sua língua não é entendida por ninguém mais, ele é o último representante da tribo, e por não ser inteligível chamam-no “mudo”.

E por aí vai. Muito antes do discurso ecologista, muito antes de muitas coisas já estava esse fabuloso e ao mesmo tempo simples filme, dizendo poeticamente as belezas e dores da perda do sonho. E das formigas verdes...