Projeto Um filme sempre que valha a pena:
Um método Perigoso –
David Cronemberg
Cronemberg foi se sutilizando com o tempo. Daquela rudeza
árida, áspera e contundente dos primeiros filmes, como Os filhos do medo (The Brood-1979) em que um terapeuta
pouco ortodoxo vê aparecerem ataques feitos por mutantes; A mosca (Fly-1986) na que um cientista entra em
contato com um ser de outra genética, transformando-se em algo gosmento não-humano;
passando por Gêmeos, Mórbida semelhança (Dead
Ringers-1988) no que dois gêmeos dividem uma vida, tentando ser um só e
Crash-Estranhos Prazeres (Crash-1996)
onde o amor entre um homem e o automóvel assume uma dimensão incontrolável, ele
foi lentamente decantando sua intenção de chocar, sem perder o intuito maior,
provocar um olhar sobre o outro, o lidar com o outro, o lidar com a diferença,
o ser diferente.
Então quando em 2005 ele lança Marcas da Violência (A history of violence), que conta a
história de um pacato cidadão que tem seu passado desencoberto e vê-se
atravessado por ações, desejos, medos e fantasias nada pueris, assumindo sua
violência e agressividade e sendo por meio dela re-conhecido no mundo de sua
relações familiares e sociais, não estava mudando de foco ou rumo, apenas
deixava de lado gosmas, melecas, sangues e demais elementos fantásticos de
declaração de outros territórios. Ele manteve esse novo rumo no Senhores do Crime
(Eastern Promisses-2007), fazendo com
que o amor e desejo entre um policial disfarçado de aspirante à máfia russa em
Londres, e uma enfermeira “do bem”, fossem postergados até a impossibilidade:
os territórios se mesclavam, mas nunca se fundiam, cada um acabava onde sempre
esteve.
Agora chega até nós o espetacular Um método perigoso (A Dangerous Method-2011), pérola que
olha para o início da psicanálise, na Viena do início do século XX, mas, principalmente,
na Zurique de Jung. Há evidentemente um interesse anedótico nas vidas privadas
desses dois iniciadores, algo do tipo “olha como ele era com a esposa”. Mas
isto não tem relevância. O central é o tratamento de uma paciente,
posteriormente amante e colega de profissão por parte de Jung.
Não pelo ter uma amante, estaríamos na sarjeta comum do
homem que pula a cerca. Mas por ser com essa amante que ele se permite entrar
em contato e assumir posições no relacionamento sexual e no assumir do desejo não
só ausentes como descabidas no seu angelical casamento. Jung ali descobre um
outro território, tema caro a Cronemberg, e ao descobrir o outro território se descobre outro, nesse outro
território.
Como todo criador, Freud aparece com algumas idiossincrasias
que, vistas hoje são patéticas. Imaginar que limitar à sexualidade os motores
da psique humana para com isso estabelecer. Ali já se mostra o que sempre se
aponta como a principal diferença entre ele e Jung, a abertura deste para uma
maior diversidade de vetores de forças psíquicas, mais criadoras, mais
poéticas.
No fim das contas, de modo sutil, mas presente, um retrato
do criador da psicanálise, de seu principal discípulo e depois desafeto, de uma
época na que se acreditava na possibilidade de fazer ciência romanticamente, e mais
que tudo, do lado sombrio e arriscado, sempre presente, mesmo que negado dos
que acompanhamos, estimulamos e somos nós e outros, com o outro.