O som e a fúria
EUA: 1929
William Faulkner
Primeiro o título. Intenso, chamativo, despertando a
curiosidade do querer saber do que se trata, e mais que isso, criando uma
expectativa de que ali deve haver algo que valha a pena, um bom início para um
livro. Depois a origem, porque é Shakespeare, que em Macbeth pronuncia:
Amanhã e amanhã e amanhã,
Insinua-se este ritmo mesquinho dia após dia,
Até à última sílaba de tempo registrado,
E todos os nossos ontens iluminaram parvos
A caminho da morte poeirenta. Apaga-te, vela breve!
A vida não é mais que uma sombra ambulante, um pobre ator
Que se pavoneia e aflige durante a sua hora no palco
E depois não se ouve mais: é um conto
Contado por um idiota, cheio de som e fúria,
Não significando nada.
Insinua-se este ritmo mesquinho dia após dia,
Até à última sílaba de tempo registrado,
E todos os nossos ontens iluminaram parvos
A caminho da morte poeirenta. Apaga-te, vela breve!
A vida não é mais que uma sombra ambulante, um pobre ator
Que se pavoneia e aflige durante a sua hora no palco
E depois não se ouve mais: é um conto
Contado por um idiota, cheio de som e fúria,
Não significando nada.
Um ótimo ponto de partida para um livro. E então o livro em si,
uma narrativa que faz da literatura o que nos atrai sempre: um campo de
descobertas, de incômodos, de indagações. Não respostas, não o “dar de
bandeja”, nunca o tratar o leitor como alguém que não possa ir além, perguntar,
responder, inquietar-se.
Os Compson, família decadente. Quatro capítulos, cada um,
uma narrativa que mescla o fluxo da consciência de um dos membros dessa família
com diálogos e descrições da vida correndo. Podíamos pensar que o “conto
contado por um idiota, cheio de som e fúria, não significando nada” se
referiria a esta primeira narrativa, focada/narrada pelo filho de 30 anos que
parece ter três. A vida que se organiza no cuidado e frustração, nas tentativas
e impossibilidades de lidar com alguém que não se pauta pela conduta ensinada,
alguém que age impulsivamente e só chora, geme e muge.
Mas não, as outras 3 narrativas são todas tensas, todas
fragmentadas na informação, todas em última instância não significando nada,
pois parece ser essa a maldição dos Compsons: correr, girar, fazer, e não
conseguir nada, não avançar em direção nenhuma que não a do inevitável processo
entrópico de dissolução.
E o principal em literatura: o COMO. Ficamos muito tempo sem
entender muito bem quem é quem na história, quem é filho, tio, sobrinha ou irmã.
Quem é Quentin? É homem? Mas se referem a ela como ela em alguns momentos. E é
proposital, ao invés de uma genealogia clara e descritiva (e tediosa), uma
tensão até nisso, que poderia ser a coisa mais simples: mas isso apenas indica
o problema ao qual tudo se referirá na novela, quem é quem, quem cuida de quem,
quem tem que responsabilidades com quem, quem atura as conseqüências? E em
diálogos que se repetem, como se repetem as dinâmicas familiares, em
sofrimentos recorrentes como são os retornos eternos do que não se modifica,
vemos a família sofrer, sofrer, sofrer, sem que isso signifique nada ao final.
Uma obra prima, dolorosamente verdadeira e intensa e
necessária, ainda mais se pensamos que dentro de 17 anos ela fará seu centésimo
aniversário! Um livro para quem trabalha com famílias, mas também para todo
aquele que deseja ver como uma família se relaciona sem os vernizes das
aparências, e aproveitemos que o natal e as festas de reunião estão chegando...