quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O som e a fúria - Projeto Um livro Sempre



O som e a fúria
EUA: 1929
William Faulkner

Primeiro o título. Intenso, chamativo, despertando a curiosidade do querer saber do que se trata, e mais que isso, criando uma expectativa de que ali deve haver algo que valha a pena, um bom início para um livro. Depois a origem, porque é Shakespeare, que em Macbeth pronuncia:

Amanhã e amanhã e amanhã,
Insinua-se este ritmo mesquinho dia após dia,
Até à última sílaba de tempo registrado,
E todos os nossos ontens iluminaram parvos
A caminho da morte poeirenta. Apaga-te, vela breve!
A vida não é mais que uma sombra ambulante, um pobre ator
Que se pavoneia e aflige durante a sua hora no palco
E depois não se ouve mais: é um conto
Contado por um idiota, cheio de som e fúria,
Não significando nada.

Um ótimo ponto de partida para um livro. E então o livro em si, uma narrativa que faz da literatura o que nos atrai sempre: um campo de descobertas, de incômodos, de indagações. Não respostas, não o “dar de bandeja”, nunca o tratar o leitor como alguém que não possa ir além, perguntar, responder, inquietar-se.

Os Compson, família decadente. Quatro capítulos, cada um, uma narrativa que mescla o fluxo da consciência de um dos membros dessa família com diálogos e descrições da vida correndo. Podíamos pensar que o “conto contado por um idiota, cheio de som e fúria, não significando nada” se referiria a esta primeira narrativa, focada/narrada pelo filho de 30 anos que parece ter três. A vida que se organiza no cuidado e frustração, nas tentativas e impossibilidades de lidar com alguém que não se pauta pela conduta ensinada, alguém que age impulsivamente e só chora, geme e muge.

Mas não, as outras 3 narrativas são todas tensas, todas fragmentadas na informação, todas em última instância não significando nada, pois parece ser essa a maldição dos Compsons: correr, girar, fazer, e não conseguir nada, não avançar em direção nenhuma que não a do inevitável processo entrópico de dissolução.

E o principal em literatura: o COMO. Ficamos muito tempo sem entender muito bem quem é quem na história, quem é filho, tio, sobrinha ou irmã. Quem é Quentin? É homem? Mas se referem a ela como ela em alguns momentos. E é proposital, ao invés de uma genealogia clara e descritiva (e tediosa), uma tensão até nisso, que poderia ser a coisa mais simples: mas isso apenas indica o problema ao qual tudo se referirá na novela, quem é quem, quem cuida de quem, quem tem que responsabilidades com quem, quem atura as conseqüências? E em diálogos que se repetem, como se repetem as dinâmicas familiares, em sofrimentos recorrentes como são os retornos eternos do que não se modifica, vemos a família sofrer, sofrer, sofrer, sem que isso signifique nada ao final.

Uma obra prima, dolorosamente verdadeira e intensa e necessária, ainda mais se pensamos que dentro de 17 anos ela fará seu centésimo aniversário! Um livro para quem trabalha com famílias, mas também para todo aquele que deseja ver como uma família se relaciona sem os vernizes das aparências, e aproveitemos que o natal e as festas de reunião estão chegando...


quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

O moinho e a cruz - Projeto Um filme quando valha a pena



O moinho e a cruz
(Polonia/Suíça: 2011)
Diretor: Lech Majewski

Há filmes, e há experiências, e usualmente experiências em filmes dão mais pano pra manga para falar que para “cinemear”, servindo para intermináveis digressões teóricas e poucas apreciações do filme como narrativa, como contar uma história. Bem, este consegue a proeza de ser uma experiência e um cinema de qualidade, ainda que não seja um tipo de filme que todos apreciarão.

Bruegel em meados do século 16 pintou o quadro O caminho para o Calvário, o qual, como o nome evidencia retrata o caminho final de Jesus para a crucifixão. Como ocorre nos quadros da época, os personagens do quaro estão todos trajados como na Flandres do século 16, e não como a palestina do século 1.




E para quem gosta do Pintor este é um prato cheio, várias cenas e situações ocorrem simultaneamente no espaço do quadro.

Para o filme o diretor toma algumas linhas de narrativa. Conta a gênese do quadro, colocando Bruegel a explicar para seu mecenas como seria o quadro, enquanto o prepara; mostra a vida familiar do pintor, sua larga prole e esposa; faz pequenas incursões em várias das cenas do quadro, criando narrativas para o moeiro, sua esposa e o ajudante no interior do escalafobético moinho, um herético a ser pendurado numa roda de carroça depois de espancado; e evidentemente, a via crucis, que passa pela cidade, naquele tipo de anacronismo até engraçado.

No conjunto uma experiência enriquecedora, corajosa, instigante e fascinante.






terça-feira, 20 de novembro de 2012

E agora aonde vamos? - Projeto Um filme quando valha a pena



E agora, aonde vamos?
(FRA/EGI/Líbano/ITA.2011)
Diretora: Nadine Labaki

Quando um filme inicia com um grupo de mulheres de preto caminhando lentamente, e nos passos vai-se formando um ritmo, e o ritmo leva a uma coreografia simples, mas muito significativa, você pode esperar qualquer coisa de bom, porque ali está um início que afirma uma visão, um modo de entender, um modo de poeticamente fazer a leitura e a implicação da delicadeza e da atenção no contar uma história.

No século 4 AC Aristófanes escreveu Lisístrata. Como resumão, a mulherada grega cansada das perdas dos homens que iam para a guerra e esta não terminava nunca, resolveu fazer o que as mulheres deviam fazer sempre: assumir o controle, porque homem no comando dá problema, vide o mundo onde vivemos...

E aquele momento se resolvia cenicamente de modo irreverente e caustico, só para lembrar, cidadão era o homem livre todo o resto, o que incluía a ampla gama de escravos, crianças velhos gagás e mulheres, não contava. Então não deixa de ter uma radicalidade extrema Aristófanes colocar a mulher como pivô capaz de transformar uma situação que os manés não conseguiam, e nem conseguem.

Passam-se milênios e estamos com mais um filme a colocar as coisas como elas são: uma aldeia é compartilhada por muçulmanos e cristãos, que convivem bastante bem. Quando um conflito emerge no âmbito nacional, os homens da aldeia se ouriçam para brigar cada um com seu vizinho.

E cabe à mulherada encontrar soluções inusitadas e irreverentes (para dizer o mínimo) que evitem que o conflito recrudesça e eles não se matem (porque de uma hora para outra parece que só isso importa na vida de um homem...). Uma das últimas soluções é exatamente trocar de crença religiosa: já que todos os cristãos são ruins, torno-me cristã, vais me machucar meu filho? Já que os muçulmanos não prestam, passo a amar Alá, e aí, vou apanhar por isso marido?

E o filme termina com um cortejo fúnebre, e nessa confusão de religiões e de quem é quem, e do que somos, um do grupo pergunta ao chegar ao cemitério, dividido pela estradinha da vila com os cristãos enterrados de um lado e os muçulmanos do outro: E agora, aonde vamos?

Imperdível!





segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Adeus minha Rainha - Projeto Um filme quando valha a pena



Les adieux à la reine
 (França: 2012)
Diretor: Benoît Jacquot

Na última frase do filme está a chave para seu entendimento, e adoro filmes que nos prendem, mas que apenas se abrem no fim, deixando uma trilha de possibilidades durante todo o trajeto. Uma serviçal apaixonada por sua rainha, apaixonada pela idéia da realeza, pela figura, pela pessoa, pelo corpo, naquela paixão platônica, idealizada, impossível e por isso mesmo intensa.

Uma rainha fútil (haverá rainhas que não o sejam?) que joga o tempo todo sem vincular-se a ninguém que não aquela que ama, todo o resto é passageiro e na verdade sem muita importância, tudo e todos existem para atendê-la.

A rainha é Maria Antonieta e são os 4 últimos dias de sua vida, a Bastilha será tomada e os rumores intensificados. Um tema tantas vezes retratado que pensaríamos não ser possível dizer algo mais sobre ele. Sempre é possível!! Aqui teremos as desventuras e anseios da leitora da rainha, a apaixonada, a zero à esquerda da corte.

E é essa relação, da serviçal Laborde que adora sua patroa, que a endeusa, ama, deseja, mas não é reconhecida. Como espelho temos a outra mulher essencial do filme, a condessa de Polignac, amada e desejada pela rainha.

Num jogo intrincado de desejos, sempre assimétricos, essas três mulheres, interpretadas por ter atrizes lindíssimas, chegarão a um ponto no que à serviçal será pedido/exigido assumir um papel central, a de salvadora da amante da rainha, o lugar que ela desejaria sempre ter estado.

Não conto a frase final, merece ser vista e degustada!









sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Dez minutos para o paraíso - Projeto Um filme quando valha a pena



Dez minutos para o paraíso
(Dinamarca.2012)
Diretor: Mads Matthiesen

Sensacional filme sobre o improvável. Dennis é um fisiculturista, daquelas massas de músculos que imaginamos serem habitadas por neandertais modernos, entretanto é um doce de pessoa, tímido, contido, um fofo. Por sinal o titulo em inglês do filme capta bem o espírito do personagem, Teddy Bear, ele é um urso, fofo.

Vai à Tailândia seguindo as indicações de um tio, que importou esposa de lá. Evidentemente as esposas disponíveis são prostitutas e Dennis não se entrosa com nenhuma. Mas conhece a dona de uma academia e com ela, que é uma mulher comum, consegue desenvolver um afeto genuíno.

Ela migra para a Dinamarca, onde a mãe ultra possessiva de Dennis não aceita a situação e tenta até o fim evitar que este cresça e siga sua vida.

Contado assim o filme é uma história de amor. E é efetivamente. Mas a delicadeza e a surpresa dos personagens e situações faz com que o filme fique acima da media e do registro usual. Nem tudo ou todos parecem o que são, e são o que parecem. Dennis não se integra com as meninas tailandesas, mas ao chegar à academia parece ter entrado em seu habitat, em algum momento pensamos se ele seria gay, mas não é isso, ele não se encaixa, e o filme é também e principalmente sobre essa busca do criar um espaço e relações nos quais se possa sentir “em casa”. Sobre qual é o seu lugar no mundo.