quinta-feira, 31 de maio de 2012

O silêncio antes de Bach - Projeto Um filme quando valha a pena.


O silêncio antes de Bach

Se alguém me contasse este filme eu provavelmente não o assistiria. A trilha sonora é absolutamente maravilhosa, Bach quase que do começo ao fim. Bach na gaita, no piano, no cravo, no cello, na pianola, no órgão etc...

Mas é um filme cujo roteiro não está contando uma história. Está fazendo algo muito difícil que entretanto ficou muito , mas muito interessante: levantar a pergunta “como era o mundo da musica antes de Bach?” e desenvolvendo uma resposta: “como era não dá para saber, mas como ficou, que desdobramentos sua musica trouxe, como ela está presente na nossa vida, é assim...”

E por “assim” entendamos uma série de personagens que vão do improvável ao pitoresco: um caminhoneiro que toca oboé enquanto espera a tempestade passar para seguir viagem; seu colega que toca gaita na viagem; um velhinho fantasiado de século 17 para fazer de guia turístico pelos lugares “bachianos” de Leipzig; o “substituto” de Bach no coro São Tomás hoje e a lista segue.

E cada cena quase que é independente do resto do filme, explorando algum aspecto da musica e vida de Bach. Um afinador de piano que nos indica a mudança tonal que a Musica sofreu depois do Cravo Bem Temperado; um piano que cai e afunda no mar (deixo a interpretação desta cena para cada um...); mas cada cena faz ao iluminar um aspecto da vida e obra, uma atualização dessa obra hoje, trazendo sua beleza e deixando aquele gosto incômodo da pergunta “porque não escuto MAIS Bach?” no ar...


sexta-feira, 25 de maio de 2012

Shame - Vergonha: Projeto um filme quando valha a pena



Shame

Bem, quando vi que o diretor se chamava Steve McQueen não pude deixar de sorrir e lembrar dquela musica da Sheryll Crow cujo refrão diz “Steve, McQuenn, all he need is a fast machine...” e eu achei que o diretor era aquele atorzinho canastrão no máximo, o que mostra como a ignorância nos impede de uma disposição mais aberta ao mundo... no fim das contas o McQueen diretor é um outro moço, bem mais interessante e interessado, que dirigiu Hunger sobre um preso político que faz greve de fome na Irlanda, mas esta é outra história para outro post.

Bom, de qualquer forma assisti ao filme, unicamente porque o ator, Michel Fassbender já havia me impressionado muito como Jung no Um método Perigoso. E que bom que assisti!

Porque não é nenhuma obra prima e tem um fundo moralista que não gostei e um roteiro meio óbvio e um desenvolvimento sem grandes surpresas. Então cabe a pergunta: e porque valeu a pena assistir?  Porque é um filme de ator. Todo este filme só funciona porque estamos frente a um ator estupendo que segura um personagem que não é simpático, não cativa a platéia e nem faz você se sentir bem com o que ele faz, MAS, constrói uma identidade e uma presença irresistíveis que criam um vínculo forte com a experiência do assistir.

Ele é um obcecado por sexo, transa com prostitutas, flerta e persegue mulheres no metrô, é assinante de vídeo chats pornôs e tem uma vasta coleção de DVDs e revistas. Sexo o tempo todo, masturbações no banheiro da empresa que trabalha e encontros casuais terminando com trepadas em locais públicos. A única transa que ele não dá conta de concluir é com uma colega de trabalho com que ele inicia um relacionamento nos moldes tradicionais: convidar para jantar, bater papo, primeira saída para a cama etc. A cara do seu desconforto com aquela situação só é comparável ao desconforto que sente quando a irmã artista vem morar com ele, o que é um dos pontos óbvios do roteiro, a partir dessa entrada em cena da irmãzinha meio louquinha, ele descobre uma afetividade e um cuidado perturbadores. Detalhe especial para a versão de New York, New York que a irmã canta numa cena, fazendo que essa música mais que batida e banalizada seja uma vez mais bonita de se escutar.

Há uma cena que certamente será clássica, na qual ele transa com duas garotas, e sua cara de sofrimento e dor é tão marcante, tão intensa que consegue fazer com que qualquer erotismo da cena seja violentamente esquecido, algo similar ao que Oshima fez com O império dos sentidos.

Então, é dos filmes que valem a pena assistir pelo ator, um dos que vem dessa safra que não tem medo de exposição aos extremos!




terça-feira, 22 de maio de 2012

Sem limites: o maior filme ja vendido - Projeto um filme quando valha à pena


Sem limites – O maior filme já vendido – Morgan Spurlock

Spurlock chegou ao mundo via seu engraçado Supersize Me – A dieta do palhaço, na que desmontou os artifícios e modos de operação do mercado de junkie food estadunidense (e mundial, convenhamos). O filme fez um certo barulho, ele foi comparado ao também gringo Michel Moore por aparecer diretamente no filme e fazer-se personagem axiomático do desenrolar, sem os maneirismos e exageros muitas vezes piegas deste.

Aí, passaram vários anos e aparece este outro, que parte de uma premissa bastante ácida: se em todos os filmes produtos são vendidos, pelo processo de merchandising, como seria se um filme ocorresse unicamente por meio desse processo? Se o filme fosse, ele mesmo, o processo de associar um roteiro a vários produtos, e o processo de convencer várias empresas a patrocinar o filme, e de organizar e modificar o roteiro para angariar fundos para o próprio filme.

E o filme se desenvolve nessas idas e vindas para sua própria realização, de uma certa maneira, o filme é um metafilme sobre o fazer cinema comercial, mas também um metafilme sobre si mesmo, sobre o filme que está acontecendo ali na nossa frente. Sem grandes profundidades filosóficas, mas abrindo espaço para algumas perguntas.

E há cenas muito engraçadas, das conversas com os donos das empresas, das expectativas (e das perguntas, meudeusdocéu, as perguntas que eles e elas fazem ao diretor sobre os ganhos com a publicidade e outras piores ainda...) e vemos o filme sendo construído, e identificamos as cenas que foram forçadas a ter este carro ou aquele posto de gasolina porque esses seriam os patrocinadores do filme, um processo que ocorre na surdina, oculto em vários outros filmes (mais evidentemente nos filmes comerciais, mas em alguma medida em qualquer filme), mas ali o filme é sobre o fazer isso.

Como em alguns documentários, há um certo didatismo e o filme perde o ritmo alguns momentos, mas deixa claro o para que veio e consegue atingir seu objetivo. Não vejo a hora de sair o DVD com os extras que, se seguirem o padrão do Supersize me, serão até melhores que o filme.



domingo, 20 de maio de 2012

Gritos e Sussurros – Ingmar Bergman. Projeto Um filme quando valha a pena


Gritos e Sussurros – Ingmar Bergman

Vermelho. Branco.
Vermelho de sangue, de vida, de paixão, de raiva. Branco de pureza, de delicadeza, de medo, de morte.

Depois perguntam porque alguns filmes são denominados “clássicos”. Bem, deve ser pelo que ocorre quando vemos ou revemos filmes como este. Cada cena, cada enquadramento, cada tomada, cada gesto mínimo de cada uma das atrizes, cada palavra mas cada silêncio também! Todo o filme é feito com o cuidado, a intensidade e a intenção clara de que cada parte faça sentido, paca parte de uma construção complexa, aberta, interminável de interpretações e conhecimentos humanos.

Duas irmãs se revezam no cuidado a uma terceira que há doze anos está sofrendo dores atrozes na cama. Uma empregada as auxilia e reveza, e com cada uma, e de cada uma destas quatro participantes, o filme fará um recorte. Um recorte de uma vida que entretanto a representa, como fragmento holográfico daquela existência. Pelos pedaços das vidas vamos lentamente entendendo o que está ocorrendo ali, como cada uma chegou naquele ponto e naquela posição existencial.

Entram os maridos. Pobres criaturas frágeis, mesquinhas, ridículas nas suas dores e arrogâncias: ali o espaço é das mulheres, se elas seguem-nos é somente porque eles vão na direção que elas já desejavam ir. Com cada um deles histórias de desencanto e frustração, cada uma necessitaria estar só, no meio das outras.

E ainda assim as tentativas de aproximação acontecem. Acontecem, se concretizam, mas são depois travestidas em armas. Bergman não deixa dúvida na sua crueldade: não há saída que não a solidão ou... a lembrança dos tempos felizes do passado.