O céu que nos protege
Paul Bowles
Ed. Alfaguara, 2009.
Resolvi ler o livro que deu
origem ao filme do Bertolucci, visto muitas vezes e sempre lembrado. Dessas
coisas que a gente vai pensando, se gosto tanto de ler, como ainda não li o
livro para ver se o filme criou algo único, repetiu o que havia ali ou piorou
uma obra prima.
E creio que o livro foi seguido
pelo filme com razoável exatidão. Para quem não lembra, Kit e Port casados há
10 anos resolvem ir para a Africa Sahariana, fugindo do caos urbano pós 2ª
guerra. Levam o amigo Tunner que meio se convidou e meio foi convidado para
evitar uma aproximação intensa do casal.
O livro tem 3 partes, na primeira
os personagens são apresentados, o cenário é feito e a trama se estabelece,
Port foge do mundo, quer a solidão. Kit o ajuda a não encerrar-se num
solipsismo terminal, ela deseja viver, mas não sabe bem o que é isso que
deseja, como fazer, vai meio na cola do marido, às vezes brigando, às vezes
temendo. E Tunner é o bobo alegre que adora tudo, estar ali com eles, perder-se
do mundo mas sempre com uma saída à vista.
Port consegue que o casal escape
de Tunner, a segunda escapada portanto, primeiro da civilização, amigos, família,
depois do amigo/acompanhante. Na segunda parte do livro essa escapada
lentamente vai tornando-se o túmulo para Port que, com febre tifóide não
resiste à falta de infraestrutura de uma vila perdida ao sul do Mali.
Lentamente o perder-se dele tornou-se perder a vida, e a transição vai sendo
feita gradualmente, acompanhamos a transformação da esposa de enfermeira em
fugitiva, ao perceber a morte do marido e com isso sua propria morte como
esposa.
Até ali havia sido o marido a
fugir de Tunner. Ela, ao saber que este avizinhava trazendo seus documentos
roubados escapa, e a terceira parte é sua fuga, e aí é a fuga levada ao
paroxismo. Não há mais civilização, não há mais amigo, não há mais marido, não
há mais mundo conhecido. Primeiro a fuga do casal, depois a dele e agora a
dela, ela de algum modo está consciente no nível simbólico do que faz, e deseja
esquecer, perder-se de si e do mundo, ser uma outra, sem passado ou futuro.
Encontra uma caravana e termina por tornar-se esposa de um mercador. Chegará o
momento de sua fuga, e da lenta volta à civilização, que não se concluirá. Há,
pois sempre há, um ponto final, seja na vida, na fuga ou numa narrativa, nem
sempre um final, mas um ponto que indica que aquilo terminou.
O livro nos leva pelo deserto.
Pelo esvaziar e pelo perder-se. Pelo fazer do caminho de ida um caminho sem
volta, sem desejo de volta, sem possibilidade de volta. Assumindo que sem
nenhuma estrutura de contenção, sem nenhum vínculo de afirmação da vida, seja
como amor, desejo ou poder, a entropia ganha a parada,
seja no nível social, amoroso ou biológico.
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