terça-feira, 5 de agosto de 2014

O céu que nos protege - Projeto Um livro sempre



O céu que nos protege

Paul Bowles
Ed. Alfaguara, 2009.

Resolvi ler o livro que deu origem ao filme do Bertolucci, visto muitas vezes e sempre lembrado. Dessas coisas que a gente vai pensando, se gosto tanto de ler, como ainda não li o livro para ver se o filme criou algo único, repetiu o que havia ali ou piorou uma obra prima.

E creio que o livro foi seguido pelo filme com razoável exatidão. Para quem não lembra, Kit e Port casados há 10 anos resolvem ir para a Africa Sahariana, fugindo do caos urbano pós 2ª guerra. Levam o amigo Tunner que meio se convidou e meio foi convidado para evitar uma aproximação intensa do casal.

O livro tem 3 partes, na primeira os personagens são apresentados, o cenário é feito e a trama se estabelece, Port foge do mundo, quer a solidão. Kit o ajuda a não encerrar-se num solipsismo terminal, ela deseja viver, mas não sabe bem o que é isso que deseja, como fazer, vai meio na cola do marido, às vezes brigando, às vezes temendo. E Tunner é o bobo alegre que adora tudo, estar ali com eles, perder-se do mundo mas sempre com uma saída à vista.

Port consegue que o casal escape de Tunner, a segunda escapada portanto, primeiro da civilização, amigos, família, depois do amigo/acompanhante. Na segunda parte do livro essa escapada lentamente vai tornando-se o túmulo para Port que, com febre tifóide não resiste à falta de infraestrutura de uma vila perdida ao sul do Mali. Lentamente o perder-se dele tornou-se perder a vida, e a transição vai sendo feita gradualmente, acompanhamos a transformação da esposa de enfermeira em fugitiva, ao perceber a morte do marido e com isso sua propria morte como esposa.

Até ali havia sido o marido a fugir de Tunner. Ela, ao saber que este avizinhava trazendo seus documentos roubados escapa, e a terceira parte é sua fuga, e aí é a fuga levada ao paroxismo. Não há mais civilização, não há mais amigo, não há mais marido, não há mais mundo conhecido. Primeiro a fuga do casal, depois a dele e agora a dela, ela de algum modo está consciente no nível simbólico do que faz, e deseja esquecer, perder-se de si e do mundo, ser uma outra, sem passado ou futuro. Encontra uma caravana e termina por tornar-se esposa de um mercador. Chegará o momento de sua fuga, e da lenta volta à civilização, que não se concluirá. Há, pois sempre há, um ponto final, seja na vida, na fuga ou numa narrativa, nem sempre um final, mas um ponto que indica que aquilo terminou.

O livro nos leva pelo deserto. Pelo esvaziar e pelo perder-se. Pelo fazer do caminho de ida um caminho sem volta, sem desejo de volta, sem possibilidade de volta. Assumindo que sem nenhuma estrutura de contenção, sem nenhum vínculo de afirmação da vida, seja como amor, desejo ou poder, a entropia ganha a parada, seja no nível social, amoroso ou biológico.


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