Medea
Dinamarca: 1988
Diretor: Lars Von
Trier
Como se faz para tornar filme um mito? E um mito de outro
tempo, outra cultura, outros valores, outro tudo? Temos 3 opções: a primeira é
fazer um filme “de época” dependendo do mito e dos recursos para a reconstituição
da “época” em questão, o filme tenderá mais ao ridículo e menos ao mito, e esse
é um problema comum, vide os filmes “clássicos dos anos 60/70 sobre temas
míticos.
A segunda é fazer uma atualização do tempo da história,
colocando-a na atualidade. Isso favorece uma identificação com a narrativa, mas
pode fazer um estrago considerável se não se definir ao que se deseja ser fiel,
à história ou a uma leitura dessa história. Penso no Anna Kerenina, ou no
Karamazovi como exemplos atuais de filmes que foram nessa segunda linha e se
saíram bem.
E a terceira é chutar o pau da barraca, e arriscar-se no que
há de mais difícil no território do mito, que é criar o clima de irrealidade
que faz do mito uma história inverossímil mas, pela resonância simbólica e
emocional, verdadeira – nessas esferas.
Lars von Trier arriscou-se nesta última possibilidade com um
agravante a mais, 19 anos antes dele, Pier Paolo Pasolini havia filmado o mesmo
mito tomando a mesma vertente de irrealidade simbólica para contar a história
da mulher traída pelo amado, que para puní-lo, mata sua esposa, e os proprios
filhos.
E o bacana é dizer que o jovem von Trier (tinha então 28
anos) mandou bem. Criou uma atmosfera que não se prende a tempos nem figurinos
de época, criando ao mesmo tempo um ambiente estranho pela cenografia criativa
no uso de telas intermediárias, onde projetava imagens/cenários e interações; e
figurinos e locações indefiníveis.
Muitos anos e filmes depois ele criou o movimento DOGMA, que
propunha realizar filmes dentro de determinada cartilha. Cada vez mais acho que
ele se propõe desafios para ver como sair deles, fez apenas um filme
“dogmático”, Os Idiotas, e parece que
aprendeu o que queria ali. Do mesmo modo, desafiou-se a tomar um roteiro do
gigante do expressionismo alemão Dreyer (Carl Theodor Dreyer 1889–1968) e ver
como fazia não uma cópia, mas uma homenagem, com enquadramentos, fotografia e
interpretação que fossem desdobramentos dos feitos pelo mestre. Imagens belíssimas (vide alguns fotogramas abaixo), interpretações cuidadosas e uma experiência valiosa de cinema, com C maiúsculo!
Nenhum comentário:
Postar um comentário