segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Solaris - Stanislaw Lem. Projeto Um livro sempre



Solaris

Stanislaw Lem
Ed. RelumeDumará, 2003

É desse livros que tem vários elementos que nos fascinam, envolvem e permitem que entremos no mundo da ficção. Solaris é o nome de um planeta, diferente do nosso, não como o construído por Haruki Murakami no seu 1Q84, que era simplesmente um duplo da nossa Terra, no qual alguns acontecimentos extraordinários podiam ocorrer. Em Solaris fenômenos que não se explicam ocorrem, o tempo todo. Como na vida, já começando o comentário por onde ele tem de ir.

O planeta tem dois sóis, e por isso duas auroras, uma do sol vermelho outra do sol azul. É todo recoberto de líquido, um oceano imenso, mas lança acima da superfície, uma quantidade enorme de projeções, inexplicáveis, belas, instáveis, incompreensíveis. Quando o protagonista chega a Solaris faz já 100 anos que estudos são feitos sobre o que é aquele oceano, que sentido ele tem, que significado tem essas “construções”, como “comunicar-se” com esse oceano, e por aí vai. A ciência é muitas vezes uma ficção mesmo...

Na estação espacial reina um clima de estranheza, estando apenas 3 pessoas, recebem a visita, cada um deles, de uma “pessoa” que é algo como uma materialização de alguém que fez parte da vida, no passado, e que no mais profundo desejo daquele que sonha, aparece para conversar, brincar, transar, amar, aterrorizar, segundo o “visitado” tema, ame, aja ou fuja. O oceano propõe um visitante, que é e ao mesmo tempo não é aquele(a) que foi “real” na vida de cada um dos 3 cientistas da estação.

Essa é a trama. Num resumo muito rápido e superficial, mas é de uma beleza ver a dificuldade do protagonista, o psicólogo Kelvin, deparar-se com sua ex-namorada, que suicidou-se após ele abandoná-la, e confrontar-se primeiro com a estranheza e susto do encontro, depois com a dificuldade de aceita-la como real, mas por último, com o amor que começa a sentir, primeiro pela lembrança da sua amada, e cada vez mais pela amada que agora se apresenta a ele, que é e não é a mesma. Como cada um de nós, que somos e não somos os mesmos.

Em BladeRunner, e no livro que o originou, Sonham os androides com ovelhas elétricas? Há uma questão similar, o protagonista sabe que ama uma robô, que é perfeita réplica de um humano. Mas isso não importa, ele a ama e terminamos o livro, e o filme, desconfiando se ele mesmo não é um replicante. Aqui, em Solaris, temos o tempo todo esse questionamento: e será ele, e seremos nós, algo diferente daquele(a) que amamos? Será nossa realidade diferente da do outro? O fato da visitante ser uma projeção, faz dela algo impossível?

Em última instância, é uma discussão sobre o amor e os sentimentos, a realidade do que sentimos e o quanto o outro é visto muito mais por como o queremos ver, do que pelo que ele é. O tempo todo tenta-se descobrir o que o oceano de Solaris é, e o que quer fazer com os humanos, o tempo todo ele é indecifrável, inominável, incompreensível. O tempo todo tentam os 3 cientistas resolver como lidar com seus visitantes, que sempre os surpreendem, pela teimosia, força, inadequação às expectativas mas, principalmente, veracidade, intensidade na expressão de si. Não por outro motivo o protagonista se apaixona pela imagem de seu passado, ela é ao mesmo tempo aquela que morreu, e outra, a que ele deseja, mas ao mesmo tempo, uma outra, que ele não sabe quem é, como ela tampouco, como nós tampouco, como ninguém sabe exatamente quem é e quem é o outro.

Há então dois tipos de alteridade, o dos visitantes, e o do oceano. Sobre este segundo, caberia fazer um comentário mais alongado, pois é muito raro vermos algum “personagem” que não é antropormofizado ou antropomorfizável. Sempre que vemos aliens, no cinema ou livros, eles são umas pessoas diferentes, pela cor, tamanho, língua ou comportamento, mas não deixam de ser humanos. Raramente nos deparamos com uma alteridade tão outra, ao ponto de ser incomunicável. Aqui, o outro não se parece em nada conosco.

Por último. Esta tradução é muito superior a uma outra lançada nos anos 70, e que foi a primeira que li, aqui, o texto flui e a história cativa. Não se engane pela capa, por sorte o conteúdo é infinitamente superior à versão cinematográfica do Sorderberg...


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