Solaris
Stanislaw Lem
Ed. RelumeDumará,
2003
É desse livros que tem vários elementos que nos fascinam,
envolvem e permitem que entremos no mundo da ficção. Solaris é o nome de um
planeta, diferente do nosso, não como o construído por Haruki Murakami no seu 1Q84,
que era simplesmente um duplo da nossa Terra, no qual alguns acontecimentos
extraordinários podiam ocorrer. Em Solaris fenômenos que não se explicam
ocorrem, o tempo todo. Como na vida, já começando o comentário por onde ele tem
de ir.
O planeta tem dois sóis, e por isso duas auroras, uma do sol
vermelho outra do sol azul. É todo recoberto de líquido, um oceano imenso, mas
lança acima da superfície, uma quantidade enorme de projeções, inexplicáveis,
belas, instáveis, incompreensíveis. Quando o protagonista chega a Solaris faz
já 100 anos que estudos são feitos sobre o que é aquele oceano, que sentido ele
tem, que significado tem essas “construções”, como “comunicar-se” com esse
oceano, e por aí vai. A ciência é muitas vezes uma ficção mesmo...
Na estação espacial reina um clima de estranheza, estando
apenas 3 pessoas, recebem a visita, cada um deles, de uma “pessoa” que é algo
como uma materialização de alguém que fez parte da vida, no passado, e que no
mais profundo desejo daquele que sonha, aparece para conversar, brincar,
transar, amar, aterrorizar, segundo o “visitado” tema, ame, aja ou fuja. O
oceano propõe um visitante, que é e ao mesmo tempo não é aquele(a) que foi
“real” na vida de cada um dos 3 cientistas da estação.
Essa é a trama. Num resumo muito rápido e superficial, mas é
de uma beleza ver a dificuldade do protagonista, o psicólogo Kelvin, deparar-se
com sua ex-namorada, que suicidou-se após ele abandoná-la, e confrontar-se
primeiro com a estranheza e susto do encontro, depois com a dificuldade de
aceita-la como real, mas por último, com o amor que começa a sentir, primeiro
pela lembrança da sua amada, e cada vez mais pela amada que agora se apresenta
a ele, que é e não é a mesma. Como cada um de nós, que somos e não somos os
mesmos.
Em BladeRunner, e
no livro que o originou, Sonham os
androides com ovelhas elétricas? Há uma questão similar, o protagonista
sabe que ama uma robô, que é perfeita réplica de um humano. Mas isso não
importa, ele a ama e terminamos o livro, e o filme, desconfiando se ele mesmo
não é um replicante. Aqui, em Solaris, temos o tempo todo esse questionamento:
e será ele, e seremos nós, algo diferente daquele(a) que amamos? Será nossa
realidade diferente da do outro? O fato da visitante ser uma projeção, faz dela
algo impossível?
Em última instância, é uma discussão sobre o amor e os
sentimentos, a realidade do que sentimos e o quanto o outro é visto muito mais
por como o queremos ver, do que pelo que ele é. O tempo todo tenta-se descobrir
o que o oceano de Solaris é, e o que quer fazer com os humanos, o tempo todo
ele é indecifrável, inominável, incompreensível. O tempo todo tentam os 3
cientistas resolver como lidar com seus visitantes, que sempre os surpreendem,
pela teimosia, força, inadequação às expectativas mas, principalmente,
veracidade, intensidade na expressão de si. Não por outro motivo o protagonista
se apaixona pela imagem de seu passado, ela é ao mesmo tempo aquela que morreu,
e outra, a que ele deseja, mas ao mesmo tempo, uma outra, que ele não sabe quem
é, como ela tampouco, como nós tampouco, como ninguém sabe
exatamente quem é e quem é o outro.
Há então dois tipos de alteridade, o dos visitantes, e o do
oceano. Sobre este segundo, caberia fazer um comentário mais alongado, pois é
muito raro vermos algum “personagem” que não é antropormofizado ou
antropomorfizável. Sempre que vemos aliens,
no cinema ou livros, eles são umas pessoas diferentes, pela cor, tamanho, língua
ou comportamento, mas não deixam de ser humanos. Raramente nos deparamos com
uma alteridade tão outra, ao ponto de ser incomunicável. Aqui, o outro não se
parece em nada conosco.
Por último. Esta tradução é muito superior a uma outra
lançada nos anos 70, e que foi a primeira que li, aqui, o texto flui e a
história cativa. Não se engane pela capa, por sorte o conteúdo é infinitamente
superior à versão cinematográfica do Sorderberg...
Nenhum comentário:
Postar um comentário