sábado, 20 de setembro de 2014

Mãe e filho. Aleksandr Sokurov - Projeto Um filme quando valha a pena



Mãe e Filho
Mat i syn
Aleksandr Sokurov
Rússia – 1997


Um grande e muy querido amigo fez a síntese que define o filme. Cada tomada é uma fotografia. E se a síntese é sintética demais lamento, mas é isso mesmo. Sokurov é o herdeiro de Tarkovsky, entendi isso vendo este filme. O tempo é uma consequência, as cenas se desenvolvem sobre uma tomada da Câmera, e nessa tomada algum movimento, dos personagens, da paisagem, do trem distante, mas a Câmera fixa assume que recorta do mundo uma fotografia, o que ocorre, ocorre NA fotografia.

Não há muito a dizer sobre a história do filme. Um filho cuida da Mãe que está visivelmente doente e debilitada, sequer conseguindo andar. Leva-a a um passeio no colo, lê alguns postais que encontrou alhures, conversa com ela e lhe oferece comida ou bebida. Nada de grandiloquente. Nada espetacular. Tudo num ritmo carinhoso, cuidadoso, amoroso, amoroso, amoroso.

Entretanto não é chato, cada cena, que repito, é uma tomada fotográfica, tem força marcante. A narrativa se desenvolve por meio de imagens fortíssimas, que conduzem a tensão dramática de modo ao mesmo tempo forte e sutil. Forte pela imagem, sutil pela narrativa, pelos eventos, pela atuação espetacular dos dois únicos atores em cena. É a reafirmação de uma forma de ver o cinema: quando há atores competentes em cena, o diretor pode ir tomar um café. Eles seguram o filme. Neste caso ainda bem que Sokurov não foi à esquina, mas fez o estrato sobre o qual os atores num trabalho minimalista mas não por isso menos expressivo, deitaram (literalmente) e bordaram. Um trabalho ao mesmo tempo simples de fotografia, mas muito criativo, para criar uma atmosfera intimista `as vezes, onírica outras, criando essa incerteza sobre a realidade ou o simbolismo do que esta se passando ali.

Não é um filme para quem gosta de histeria, histrionismo ou facilidade narrativa, mas premia de modo inequívoco a gratidão de receber um presente de beleza e sensibilidade.









quarta-feira, 17 de setembro de 2014

A família - Ettore Scola. Projeto Um filme quando valha à pena



A família

Ettore Scola
Itália – 1987

Filmes italianos são divertidos ao mostrar as famílias, porque famílias italianas são MUITO divertidas. Falam todos ao mesmo tempo, brigam e se reconciliam ao mesmo tempo, são dramáticos, explosivos, amorosos, duros, inteligentes, cretinos, sagazes, teimosos, tudo e todos ao mesmo tempo...

Então fazer um filme de uma família italiana já é meio caminho andado para uma alegria de duas horas. Se como diretor temos o Scola, aí a alegria é quase certeira, e é mesmo no caso deste filme. Você pode assistir com a certeza de um olhar de 80 anos atravessando várias gerações de uma família, seus amores, rupturas, reconciliações, afetos, desavenças, reconciliações, conquistas, derrotas, reconciliações, e chegará ao final feliz por ter participado desse estudo sociológico humorístico artístico que o filme é: você, se não o sabia antes, passa a ter certeza de como funciona uma família carcamana.

Há filmes do Scola que pecam por excesso de personagens e um ritmo arrastado, O terraço ou o Jantar por exemplo. Aqui entretanto, mesmo com uma miríade de personagens, que muitas vezes temos de recordar quem é quem, o ritmo é perfeito, e somos conduzidos agilmente pelo andar do tempo, que leva e traz pessoas, acontecimentos e despedidas.

Em suma, um filmão, não perca!!









terça-feira, 16 de setembro de 2014

Luz de Agosto - Projeto Um livro sempre



Luz de Agosto (1932)

William Faulkner
Cosac Naif. 2007

É algo impressionante que este Luz de Agosto tenha apenas 3 anos de separação com a estréia de Faulkner na Literatura, o Sartoris, já comentado aqui. E digo impressionante porque a evolução é gigantesca e, para que leu o comentário ou o próprio livro, já sabe que Sartoris era uma narrativa muito bem escrita e desenvolvida.

Lena está grávida, na estrada a pé vinda do Alabama em busca do pai da criança que ficou de chamá-la assim que tivesse um posto seguro de trabalho. Conta com a ajuda de estranhos, e talvez por sua inocência, leveza ou condição  gestante recebe a ajuda mesmo, em cada cidadela ou estrada por onde passa, até chegar em Jefferson, onde estaria seu companheiro.

A cada capítulo a narrativa acompanhará um outro personagem, apresentado como figurante no capítulo anterior, tornado protagonista no seguinte, e fazendo parte do corpo de atores ao longo do livro. Recurso usado e levado ao extremo em O som e a fúria, do próprio Faulkner alguns meses antes, e aqui feito com menos radicalidade, mas sem por isso deixar de causar uma certa vertigem: quem é que está falando agora? A história é de quem? E por aí vamos conhecendo o cenário, a trama vai desenvolvendo-se e os acontecimentos vão marcando as posições.

 Não vou contar a história, envolve um assassinato e fuga, perseguições e teimosias, caipirices provincianas e preconceitos históricos. Como retrato de uma forma de viver, de uma época e mentalidade é excelente, como romance, maravilhoso, como narrativa, espetacular. Faulkner desenvolveu aqui uma generosidade com o leitor que não tivera antes, a cada personagem que será relevante na trama ele dá espaço para que este possa se fazer humano, presente, com uma história e um porquê de ser, agir, pensar.

Em suma, um livrão. Uma aula de literatura, uma aula de narrativa, uma aula de história, e ao mesmo tempo um prazer gigantesco de leitura.