sábado, 22 de outubro de 2011

Win Wenders – Pina - Projeto Um filme quando valha a pena


Win Wenders – Pina

Wenders já ganhou um lugar de honra na história do cinema. Há os que gostem do Amigo Americano, há os que prefiram Paris, Texas, há os que se perguntam o que ele queria com Mel Gibson e o Hotel de Um milhão de dólares, e os que amaram a vista da capital portuguesa na História de Lisboa. Eu faço parte dos que acham Asas do Desejo um dOs filmes, com O maiúsculo e respeito e admiração intermináveis.

Com toda essa filmografia excepcional, de mais de 30 filmes, percorrendo documentários sobre o mestre do cinema japonês Ozu, o projeto musical Buena Vista Social Club, e ficções variadas, podíamos esperar que ele resolvesse sossegar o facho, ou pelo menos acomodar-se. Felizmente ele nos manda uma primorosa obra sobre o projeto de DançaTeatro de Pina Bausch, bailarina, coreógrafa e diretora do Tanztheater Wuppertal por 36 anos, até sua morte em 2009.

Filmar dança, como filmar teatro é um desafio que poucos dão conta. Cisne Negro conseguiu isso muito bem, com uma história que sustentava as cenas de palco e uma camera muito ágil. Wenders vai por outro caminho. Não filma nenhum espetáculo inteiro, na verdade filma várias cenas de espetáculos, às vezes deslocadas do palco, inseridas em outros contextos, mescladas a depoimentos sempre com voz em off, e os colaboradores-bailarinos expressando duplamente, pela voz antes gravada, e pela expressão facial/corporal agora ouvindo sua própria expressão.

E as cenas de dança. As cenas de dança. As cenas de dança. Lindas, moduladas em ciclos de repetição, mas não de esvaziamento criativo, movimentos que retornam, mas não são vazios ou mecânicos, antes, tentativas, sempre, de dizer o que não pode ser dito em palavras.

Sou um ignorante da dança, de todas as artes talvez esta seja a que mais dificuldade me traz, a que desafia o entendimento porque exatamente tem a abertura e a possibilidade de entendimentos que não são decodificáveis pela cabeça (dura, no meu caso...). O filme não facilita as coisas, não explica a dança ou a intenção, mas apresenta, de modo sublime, intenso e com um respeito gigantesco, o trabalho da companhia.

E por fim Pina, uma presença indicada por todos os bailarinos, às vezes por uma palavra, uma pergunta, uma insinuação, sua ausência deixa um vazio, no filme preenchido pelas falas e danças dos outros, fazendo viva a dança criada coletivamente sob sua direção mas, e agora que ela se foi, como criar?

Diz-se de modo geral e com certa presunção que neste mundo ninguém é insubstituível. Talvez isso seja verdadeiro para máquinas ou pessoas que se prestam a trabalhos de repetição. Para quem cria, todos são insubstituíveis. Pina.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Os espólios de Poynton – Henry James - Projeto um livro sempre


Os espólios de Poynton – Henry James

A literatura como qualquer das artes, existe quanto mais nos leve para outro lugar que aquele onde estamos, usando Fernando Pessoa, quanto mais nos mova, de nós. Ler é viver a possibilidade de estar em outro lugar e, desse outro lugar, ver e viver o mundo com outra perspectiva.

Quando o norte americano de nascença e britânico de adoção Henry James passa 200 páginas desenrolando uma trama sobre móveis e objetos de uma casa (a localizada na Poynton do título), e da disputa que os personagens desenvolvem sobre esses objetos, senti inicialmente a distância, o estranhamento e até o incômodo, de me ver num universo, que no meu imaginário é britânico, de aparências, formalidades sociais, jogos de convivência e cuidados.

Gradualmente porém, fui entrando naquela trama e percebendo que, como em qualquer trama artística, o tema do que se fala é uma das camadas significantes, mas há outras, do que se permite falar, e ver, e imaginar, sem ser sequer nomeado. E aí o texto ganha vida, brilho e intensidade. Como nas histórias de cavalaria medieval, nas que o amor nunca se consumia, mas era intensamente vivido, é a ausência, o não dito, o intuído que faz a potência do texto e permite que leiamos não o que está escrito no texto, mas o que o texto permite ver.

É uma história de amor, amor temido, amor correspondido, amor perdido. Mas é também uma história de perdas, perdas materiais, amorosas, temporais, de oportunidades. Acima de tudo é um jogo de xadrez estratégico, mas quem ganha é quem em algum momento resolve quebrar as regras do jogo, deixando de se importar com os desdobramentos sociais, e assumindo apenas o desejo e a necessidade.

Dostoievsky é visto como o grande psicólogo da alma russa ( o próximo a ser postado será dele por sinal), bem, Henry James creio que merece titulo análogo da alma britânica, para os que a idealizam, um ótimo meio de visualizar o que pode estar conjugado ...


terça-feira, 18 de outubro de 2011

Meu Tempo é Hoje – Paulinho da Viola - Projeto Um filme quando valha a pena


Meu Tempo é Hoje – Paulinho da Viola

Então era uma vez um moço que queria tocar, e tocar samba. O pai tocava violão, o moleque sempre teve músicos em casa, e pegou gosto pela coisa. Quando tinha 14 anos o pai disse quer estudar o quê filosofia (que pai iria isso a um filho???) medicina ou engenharia? E o moleque disse que queria um violão, e queria ser sambista.

E esta forma de contar a história, mesclando a musica com a vida, os pensamentos, a história não só pessoal, mas coletiva, é como foi organizado o filme. Tem momentos musicais, todos sem exceção maravilhosos. Tem as cenas familiares, intimas sem invasão ou pieguice, tem os coletivos, a Portela e os sambas de domingo, a escola do Zeca Pagodinho (até isso é bom...).

Mas principalmente a delicadeza. Uma grande amiga disse uma vez que Paulinho da Viola era um príncipe. Não sei. Batatinha diz numa outra musica, que o samba tinha de ter um ministério, e que o ministro seria Paulinho da Viola. Dado o inchaço da máquina publica creio que é melhor a idéia ficar só no simbolismo... Mas o cara creio, acima disso, é um cavalheiro. Delicado, cuidadoso, amoroso como transparece nas musicas e execuções.

Assistimos e temos a vontade de rever, não para descobrir mais coisas sobre ele, porque o filme não é voyeristico e mesmo as cenas da família e do que não costuma estar à vista, o hobby na marcenaria caseira, as visitas aos luthiers de cavacos e violões, não tem a intenção de mostrar o escondido, mas de compor um personagem com várias facetas.

E a música, voltemos a ela. Difícil um documento audiovisual que não pese mais no visual que no áudio. Pois bem, este consegue equilibrar com maestria, trazendo execuções primorosas com cenas que lentamente contam histórias. Um primor!

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Fabricando Tom Zé - Projeto Um filme quando valha a pena


Fabricando Tom Zé

Tom Zé é desses pirados que ainda existem no mundo, desses que sendo artistas criativos tem o cinismo, mesclado à modéstia de não “se acharem”, num mundo em que nada mais pode ficar perdido, seja de rótulos, de certezas, de seguranças.

É um documentário, mas não dos que tentam fazer uma rápida biografia do objeto de pesquisa visual, mas daqueles que misturam apresentações, um pouco de backstage e entrevistas dele, de invejosos, de admiradores.

Há cenas fantásticas, como a que ele empeita (literalmente) o técnico de som do festival de Montreaux, que queria diminuir a capacidade dos músicos brazucas de fazerem a passagem de som (Tom Zé deve ter hoje algo em torno de 70 anos, imaginem a quantidade de passagens de som que o cara já fez...) e o técnico sai com o rabo no meio das pernas, provavelmente assustado com a ferocidade da reação.

E esse mesmo Tom leva com a delicadeza mesclada ao seu usual cinismo, a profissão de jardineiro de seu prédio, ou a composição de uma música exclusivamente para uma apresentação (que acaba sendo um retumbante fracasso, que ele não tenta desculpar ou diminuir, mas afirma com toda a certeza de quem sabe que todos caímos).

E como bônus, várias musicas dele, apresentadas na turnee européia de 2008, musicas muito bacanas que saem completamente do esperado. Tom Zé não dá moleza para o ouvinte, ainda bem!!

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Os Clãs da lua Alfa – Philip K. Dick - Projeto um livro sempre:


Os Clãs da lua Alfa – Philip K. Dick

Quem já assistiu Blade Runner – O caçador de andróides conhece algo do P. Dick. Quem assistiu O vingador do futuro, um filme com o ridículo Schwarzenegger terá de deduzir um pouco, passando ao largo das incompetências do ator (...) para vislumbrar as idéias do escritor norteamericano. E poderíamos continuar a lista com várias outras adaptações para a telona, dos romances de ficção científica dele.

E para quem gosta de aproveitar a leitura de um livro para construir um mundo paralelo, no qual estamos ao mesmo tempo ausentes daqui, mas traçando conexões e articulações com nosso cotidiano, Dick faz não um prato cheio, mas um banquete, ao mesmo tempo simples, mas variado de possibilidades de leituras.

Neste livro, a história estapafúrdia ocorre simultaneamente na Terra e numa lua de um sistema Alfa, anteriormente usada como hospital psiquiátrico para terrestres loucos, clãs de maníacos, depressivos, hebefrênicos e outras rotulações psiquiátricas (com esses nomes) habitam uma lua e se relacionam de modo a lidar com as diferenças. Na Terra nesse ínterim ocorre uma trama cheia de reviravoltas que, não só não vou contar para não desfazer a surpresa de quem quiser ler, como não é o essencial.

O essencial sempre me parece o que se diz da nossa vida por meio de personagens situações e relações narradas. E aqui, o cinismo de olhar para pacientes psiquiátricos, com características estereotipadas de modo exacerbado que, entretanto, são muito mais razoáveis que os humanos terrestres convencionais. Sem entrar naquela discussão de que “de perto ninguém é normal”, Dick afirma a literatura de ficção científica, como um território não de escape da realidade cotidiana (como usualmente ocorre), mas de implicação NA realidade cotidiana. Em suma, um desses autores que nos prova que não importa o gênero literário, o assunto ou a habilidade do escritor, importa se a intenção da arte é mover o outro do lugar onde confortavelmente ou não, nos instalamos.