segunda-feira, 21 de julho de 2014

Sob a pele - Projeto Um livro sempre



Sob a pele
Michel Faber .2006
Ed. Record

Fiquei tão impactado pelo filme que resolvi comprar o livro e pular a interminável fila de livros a serem lidos com este. Como era de esperar-se o primeiro momento foi de frustração: o livro não era tão legal como o filme. Conforme as paginas se seguiam, a coisa foi piorando, o livro não seguia a linha do filme (ou o contrário, seria mais adequado do ponto de vista cronológico); até chegar ao ponto definitivo: o livro não é a base do filme, este é um desdobramento do diretor, uma ressonância do livro, uma narrativa que tem alguns elementos do livro, mas só isso.

Quando cheguei aí, relaxei e aproveitei do que lia e, a coisa foi melhorando!! Na medida em que me deparava com uma linha de desenvolvimento da trama que não tinha nada, mas NADA a ver com a do filme, pude ter contato com uma outra história, e aí a coisa ficou boa.

A ficção científica é um gênero que por definição criará um universo que não existe. Pode ser totalmente irreal, ou tomar o nosso mundo e nele plantar elementos que não ocorrem a olho nu. Claro que podemos ser diretos ao refutar essa definição básica, dizendo que toda e qualquer expressão da arte é a construção do que não existe, de um universo próprio, o artístico, mas vamos deixar de lado só por enquanto esta questão mais bacana do que é a arte e a narrativa, e voltemos à ficção científica.

Como a FC não tema pretensão de ser real, pode trazer qualquer coisa para a história, que está valendo... opa!! Alto lá!!! Não é que qualquer coisa ta valendo, ou que pode tudo, mas pode tudo que faça sentido dentro do universo ficcional que se está criando naquela narrativa. Por isso se um marciano andar em São Paulo, está tudo bem, se (por exemplo) sua nave aterrisou no Ibirapuera. Senão fica aquela coisa meio sem sentido e razão de ser, aquilo que a gente chama de “uma porcaria”...

Isserley é uma fêmea. Seu trabalho é coletar machos. Machos que serão cevados, mortos e empacotados, transportados para seu planeta de origem. Para realizar seu trabalho passou por procedimentos cirúrgicos radicais que extirparam sua cauda, pelos, a fizeram bípede e implantaram seios perfeitos, que servem como chamariz para a caça. É auxiliada por outros membros de seu planeta que recolhem os machos de seu carro e os “processam” para viagem.

A história tem ainda um elemento do filho do dono da empresa para a qual todos eles trabalham, e um ou outro plot secundário. Mas o que vale a pena é o processo de autoconhecimento da protagonista. E não só de si como “pessoa”, mas dela como parte de um processo produtivo, da relação com os animais que ela caça, da surpresa na idéia que esses animais têm uma linguagem e por meio dela se expressam, faz da trama uma interessante provocação sobre a questão da identidade: quem somos nós, os que caçamos, os que pensamos ser inteligentes, os que nos sentimos a nata da nata da escala biológica.

E aí o livro fica mais valoroso. Pois a ficção científica tem sentido quando por meio da irrealidade do mundo que constrói, ilumina este nosso mundo, estes que somos nós, não pela discussão filosófica ou intelectual disso, mas pelos procedimentos que a arte e só ela consegue, de deslocar, descolar, ressoar, em nós e a partir de nós, sentidos diferentes do que já tínhamos.

Nesse sentido, o fim do livro é muito similar ao do filme, apontam para o descobrir-se, e ao ver o que há sob a pele, entender que não há mais nada a dizer, quando é só o vazio que se acha ali.

Para completar, uma capa primorosa que sobrepõe a estrada, elemento fundamental da história, e as costas, outro elemento chave, território do jogo de sedução da caça, e superfície que oculta/revela quem é quem.


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