Projeto Um filme quando valha a pena: Cesare deve morire
(Italia: 2012)
Paolo e Vittorio
Tavianni
Não se pode dizer que a idéia seja nova, Al Pacino já o
havia feito magistralmente em seu Ricardo
III, uma leitura instigante da obra de Shakespeare que mesclava a
encenação, a preparação, uma discussão histórica e filológica da peça e de seus
sentidos. Sempre é uma surpresa ver como se pode a partir de uma obra prima
criar outra obra prima, e mais que isso, uma obra sintonizada com a atualidade
que vivemos no agora e não na recriação artificial dos entões ingleses da época
do bardo.
Uma penitenciária italiana, um projeto de trabalhar com
teatro, uma vez por ano isso se repete, e como nos teatros primordiais aquela
será uma encenação única para os familiares que os visitam no fim do ano. Os
prisioneiros passam pelo teste e são definidos seus papéis: Cesar, que morrerá,
Brutus, seu assassino, Antonio que era o braço direito de Cesar etc... E os
ensaios ocorrem nos corredores, pátios e salas da penitenciária.
Agora vem a beleza: lê-se e ensaia-se Shakespeare, e o texto
é o que está ali escrito, mas seu sentido deixa de ser o da Roma antiga e passa
a ser uma metaleitura do cotidiano da prisão e evidentemente, do mundo que
vivemos nós que assistimos ao filme. Então quando gritam “liberdade,
liberdade!!”, são os romanos, são os presos-atores italianos, somos nós. E são
várias metaleituras o tempo todo. E quando os presos gritam pendurados como
macacos nas suas janelas e grades, são os romanos que gritam, e quando os
guardas querem ver como segue a cena do “assassinato” de Cesar, estão a
observar a peça ou os presos na repetição de seus crimes?
Alguns presos estão condenados à pena perpétua, outros a
mais de 15 anos, uma vida ali, perdida, e eles encenando a queda de um dos
maiores imperadores. Nada de discussões fáceis se a arte valoriza o homem ou se
ela serve a quem, nada disso, apena arte, apenas criação e apena a crença (como
se isso fosse pouco) que nada mais resta senão criar. E que deleite!!! Com uma
belíssima fotografia, carregada de contraste em preto e branco, vão se
aproximando do momento da encenação, que ocorre nas cores também carregadas,
mas agora de saturação vermelha sanguínea.
E o pano cai, acaba a peça, e Cesar voltará a sua cela, como
Brutus e Antonio e todos os que viveram uma outra vida, que não a própria, pelo
breve momento que dura a eternidade da criação.
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