Bruno Schulz
Ficção completa
CosacNaif, 2012
Há os clássicos. Alguns o são porque com eles nasce uma
linha condutora, outros porque mandam que sejam clássicos, outros ainda porque
são irrecusavelmente maravilhosos e arrebatadores e outros ainda porque de tão
chatos ganham um status de especiais, quando o deveriam ter de ilegíveis.
E há os que não são clássicos, autores e livros perdidos na
multidão, no oceano de textos e escritos, que tanto poderiam passar
desapercebidos que ninguém, ou quase ninguém, ou muito poucos os conhecem. Mas
estão ali, na espreita e na espera, que algum dia tomemos conhecimento deles e
os achemos. Desfazendo a injustiça de não serem divulgados pela crítica.
E então, “descobri” Bruno Schulz. As aspas são mais que
necessárias porque ele sempre esteve ali, eu é que na ignorância não sabia que
ele esperava. E é dessas descobertas que a gente fica maravilhado, porque não é
um autor, mas um mundo que se abre, descortinando não histórias e situações,
mas universos e principalmente formas de ver, ler e estar no universo.
Transcrevo as primeiras linhas de seu Lojas de Canela:
Em julho meu pai viajava para uma estação de águas e me deixava
entregue, com minha mãe e meu irmão mais velho, à voragem dos dias de verão,
estonteantes e brancos de calor. Embriagados com a luz, folheávamos esse grande
livro das férias, cujas folhas todas ardiam de tanto fulgor e tinham no fundo a
polpa das peras dourada, doce de desmaiar.
Nas manhãs luminosas, Adela voltava do fogo do dia incandescente como
Pomona, despejando de sua cesta a beleza colorida do sol – as cerejas
brilhantes, cheias de água sob a casca transparente (...)
Não sei você, mas eu fiquei estonteado com a profusão de
cores, a intensidade da luz, a violência dos odores e sabores vivos, e a
excelência dos adjetivos, num excesso notável tanto pelo uso como pela riqueza.
E daí são linhas e mais linhas, degustadas na exuberância cuidadosa de uma
narrativa rica em detalhes, nuances e sinais: cada elemento parece ser
importante e dele derivam novos movimentos nas histórias.
E as histórias! Porque não são apenas narrativas, mas
verdadeiras criações de mundos ficcionais intensos, desvairados até, que nos
arrancam do chão firme e nos lançam na fantasia simbólica de sentidos abertos:
somos arrastados para fora do âmbito da racionalidade e na fantasia do
improvável entendemos que a arte é isto, fazer do impossível o território da
vida, para viver a abertura no cotidiano, alargando as brechas do possível até
sairmos do conhecido, até estarmos alem do que conseguiríamos pensar mas que,
apesar disso, conseguimos entender, desfrutar e apaixonar-nos.
Então, se a estante dos clássicos serve para algo, que seja
para acolher este gigante pouco divulgado, mas gigante, impreterivelmente
gigante.
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