Xingu
Há filmes que são bons como filmes, há outros que tem sua
qualidade ligada ao momento em que são lançados, outros ainda que importam pela
“mensagem”, outros que conjugam varias destas e outras qualidades. Cada um
levantará “porquês” deste filme ser bom ou valer à pena.
Xingu é o segundo longa de Cao Hamburguer. Ele havia feito o
delicado O ano que meus pais saíram de
férias, tratando da ditadura brasileira e do desaparecimento e tortura de
ativistas de esquerda, com um cuidado que raramente se via por aqui, e muito
menos para um tema dessas dimensões emocionais. Sem pieguice, sem subterfúgios
mas sem dramalhismos: enfrentar um tema doído com coragem, distanciamento e
poesia, muito bom para algo que no Brasil até pouco tempo atrás era rareza...
fazer filmes decentemente!
E se é verdade que ainda há muito filme ruim aqui, também o
é que cada vez mais aparecem filmes que tem valores diferentes, dentre eles o
de contar nossa história, fazer cinema da história e construção da nossa
identidade, ampliar nossa identidade pela ampliação de fontes e sentidos.
Estamos cansados de ver filmes do faroeste gringo, da
conquista do oeste, da matança dos índios, do aliciamento de uma tribo para a
conquista de outra, os forte-apaches que resistiam aos ataques e serviam como
base operacional para exploração do território desconhecido. Mas não sabemos
nada do processo que ocorreu no Brasil. O país foi achado casualmente pelos
portugueses, colonizado décadas depois e explorado até a independência. Mas só
isso?
Então aparece Xingu, conta a história da criação do Parque
Nacional do Xingu pelos irmãos Villas-Boas, e conta muito mais que isso. Fala
de um Brasil em formação, no qual os espaços eram (eram???...) leiloados por
interesses particulares; de um Brasil que pensava tornar-se unidade e que não
sabia, não soube e ainda não sabe integrar diferenças; de um Brasil que
oscilava, oscila e provavelmente oscilará entre o desenvolvimento, a
preservação e a estagnação política, econômica, cultural.
Mas fala dos irmãos atrevidos, loucos, visionários, que se
apaixonaram pelo projeto de fazer um Brasil dentro do Brasil, criando um espaço
de preservação que era, e eles o sabiam, um espaço de confinamento ao mesmo
tempo. Que viveram o drama de desejar preservar e conhecer, mas saber que naquilo
que colocassem a mão, transformariam e desapareceria o que ali existira antes
deles. Que o homem branco destrói o que quer cuidar e que o que eles mais
podiam almejar, dada essa condição, era chegar antes, para postergar ao máximo
o tempo do fim.
Com uma interpretação magistral de
João Miguel no papel de Cláudio Villas-Boas o filme merece ser visto e usado
como processo pedagógico em qualquer aula de história do Brasil, economia,
antropologia e psicologia ou, para resumir, em qualquer curso que se queira
debater quem somos nós. Talvez por ter assistido o filme no decurso da Leitura
do Mason
& Dixon do Thomas Pynchon , tenha ficado com esta questão da identidade
e da construção da nossa imagem tão forte, independente das minhas razões, cabe
a cada um aventurar-se nos descaminhos do construir-se e descobrir-se!!
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