Mason & Dixon -
Thomas Pynchon
A literatura é uma das formas mais instigantes de contar
histórias que não interessam a ninguém e fazer delas algo envolvente,
fundamental, criativo, central na existência do leitor por muitos anos, durante
e depois da leitura ter acabado.
Senão, como enfrentaríamos 840 páginas das aventuras e
desventuras de dois ingleses do século XVIII, nas viagens até o cabo da Boa
Esperança, de lá à Ilha de Santa Helena e alhures?
E o alhures em questão são os estados dos Estados Unidos da
América, local para onde vão o astrônomo e o agrimensor a fazer a divisão
racional de uma região que vivia em contendas por diferenças de seus “chefes
tribais” (porque mesmo sendo brancos a coisa era desse nível...).
Ao fazer isso delimitam estados, traçando linhas retas para
fazer divisas. Divisas geográficas usualmente seguem acidentes geográficos,
rios, montanhas, planícies. Os EUA, como
qualquer olhada num mapa comprova, tem uma divisão completamente linear e sob
certos aspectos absurda (não mais absurda que QUALQUER outra divisão, apenas absurda ‘do seu modo’).
E a história toda é o trajeto do Astrônomo Mason e do
Agrimensor Dixon para traçar a divisão entre norte e sul, que depois de torna
divisão entre estados escravagistas e livres; assim como também é a linha leste
oeste aquela que abre a trilha para o “progresso” civilizatório e a ruptura de
outras linhas, indígenas, naturais etc.
E a questão lindamente posta é: como se dá a construção de
um país, de um imaginário de um povo, de sua identidade?
Porque toda delimitação é definição de limites (como
evidentemente a palavra indica) que faz com isso a afirmação de algo. Um “eu”,
uma coisa, um território, uma idéia. E uma linha demarcatória define qual lado
é Pensilvânia e qual Maryland (o lado “real” do livro) mas define muito mais
que isso: que país é este? Como nos formamos como povo e como identidade
nacional? O que nos define como estado-unidenses (e no nosso caso brasileiros)?
Qual é a linha que faz de nós, nós?
Thomas Pynchon é um autor irregular, afora a idiossincrasia
de não mostrar-se em publico desde muito tempo atrás (sua ultima foto é com 17
anos...) há pouco o que dizer da pessoa folclórica, pelo que se inventou dizer
dele, e simplesmente recluso no que interessa ao escritor: ESCREVER!!
Há livros dele simplesmente arrebatadores (cada um tem seus
gostos, o meu é Vineland), pela
construção de uma miríade de personagens, histórias paralelas, cenários
improváveis e uma dose cavalar de fantasia quase psicótica, ma acima de tudo
fascinante. Este M&D é desses que a gente lê querendo curtir cada passo,
entrando nos personagens e histórias, e desfrutando de tudo que ocorre, por
mais absurdo que seja (e frequentemente é). Um humor afiado, uma rapidez de
mudança de lugares de quem fala o quê para quem, e uma delícia de
desenvolvimento narrativo. Afora a demarcação da divisa, (a “realidade
histórica” do tema), há dezenas de histórias e personagens que entram na
narrativa e a levam para muitos outros lugares, o que de certa forma responde a
algumas das questões levantadas antes sobre a constituição da identidade: nós
somos muito.
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