quinta-feira, 8 de setembro de 2011

As Benevolentes - Projeto Um livro sempre

  Jonathan Littell -  As Benevolentes


Talvez seja exigir demais de um leitor que se debruce sobre 900 paginas para entrar num universo que já foi tantas vezes apresentado pelo cinema, que perdeu muito de sua força e, na maioria das vezes causa mais afastamento que interesse. Mas, mesmo assim, resolvi que As Benevolentes merecia o esforço. O autor, Jonathan Littell cria um personagem para pintar, aprofundar e desenvolver um livro ao mesmo tempo panorâmico e profundo sobre a segunda guerra mundial, na ótica dos alemães.
Esta ótica é o que me seduziu ao esforço pois, se ainda há algo a ser dito sobre o tema, como sempre há, é o lado dos vencidos que, como bem anunciou Walter Benjamin, tem suas vozes abafadas pelas dos vencedores, ou melhor, pela do vencedor, que torna sua voz hegemônica, sempre. Não deixa der ser irônico que Walter Benjamin, judeu e fugitivo o regime nazista seja usado para apontar como a história do lado dos nazistas foi abafada pela história dos vencedores, os aliados.
Não desejo fazer um resumo do livro, ou resenha para estimular a leitura. Quero destacar dois pontos que me fazem seguir na leitura. Sabemos todos que os alemães seguiram o Fuhrer, o condutor, na guerra para afirmar a supremacia alemã ariana. Parte desse processo se concretizava no guerrear por um lado a União Soviética de Stálin, e por outro lado as democracias degeneradas ocidentais. Outra parte, a que mais é divulgada, é a do extermínio de 60 milhões de pessoas, Pacientes psiquiátricos (alemães e de outras nacionalidades), homossexuais (alemães e de outras nacionalidades), ciganos, negros, judeus, bolcheviques e qualquer outro que não entrasse na categoria ariana.
Damos por certa a aniquilação desse contingente monumental de pessoas, mas nunca paramos para pensar no processo que teve de se organizar para essa tarefa mórbida. Vemos no livro como o sistema capitalista de produção pode ser usado para qualquer coisa, o pensamento focado em resultados, eficiência e economia, a tentativa de aprimorar os resultados aumentando a relação custo x benefício e a certeza que uma organização asséptica traz melhores resultados, componentes de qualquer discurso produtivo, não pertence ao capitalismo, mas a uma ótica produtiva que independe da política, como independe do que, quando, onde e como se deseja produzir: é uma ótica que serve à produção automotiva japonesa, floral holandesa, de cerveja estadounidense, mas igualmente serve para a administração de um campo de extermínio alemão ou soviético (desculpem a imprecisão, lá tiveram outros nomes...).
E se os personagens do livro discorrem sobre as melhorias que poderiam ser implementadas nos campos, não era para a melhora de condições de vida dos aprisionados nos seus trabalhos forçados, mas para um aumento de produtividade. Se desejavam uma revisão das rações, não era para que vivessem melhor, mas para que demorassem mais a morrer, aumentando a produtividade das fábricas às quais prestavam serviços por valores ínfimos.
E se é asqueroso ler isso com a brutalidade com que é apresentada, e é, possivelmente é por apontar o que é fácil ver, mas incômodo demais para assumir: os nazistas perderam a guerra, mas ensinaram a desvinculação entre o trabalho e o que se faz, o porque se faz e o para  que se faz, e estes ensinamentos são parte integrante de quase toda ação produtiva onde não exista afeto presente.
O segundo ponto que gostaria de desenvolver se liga ao personagem central. O narrador é um alemão, filho de mãe francesa e pai alemão que abandonou a família. Gêmeo de uma irmã, por quem desenvolve um amor obsessivo e incestuoso, tem experiências homossexuais e se vê tentando sempre viver o que a irmã teria vivido.
É um personagem frio, afetivamente falando, sua narrativa não nos seduz pela empatia, nem pela surpresa (pelas razões já indicadas do desgaste do tema, mas também porque o livro é narrado como uma espécie de memórias), e nem tampouco pelo prazer do que é narrado, pois a escatologia é levada ao paroxismo e dificilmente pode-se dizer que o texto é agradável.
Entretanto seguimos pelas 900 páginas. E o protagonista nos guia por caminhos sujos, sórdidos, sofridos, da entrada, crescimento e derrocada alemã na segunda guerra, os processos administrativos, as práticas de extermínio, os processos de organização dos extermínios de 60 milhões de pessoas, o aprimoramento desses assassinatos, a indiferença com que às vezes estes eram vividos, a diferença entre os soldados e na verdade, entre cada alemão.
Porque dizemos que os nazistas eram loucos de acreditar na ideologia nacional-socialista mas, o que nos leva  a pensar que todo nazista pensava igual? Como se eles fossem autômatos irracionais. Certamente alguns caberiam nessa categoria, outros eram sádicos, outros ainda conformados, outros queriam crescer socialmente e o preço para isso era fazer o que foi feito.
Esse protagonista consegue estar o tempo todo fora dos padrões. Um nazista não poderia ser homossexual e escalar hierarquicamente postos importantes; não poderia ter esse amor pela irmã (e muito menos tê-lo consumado); não poderia ser refinado e assassinar a sangue frio prisioneiros. Ao mesmo tempo ele fala de dentro, ele era membro do partido, crescendo pela eficiência, entrando na elite, aproximando-se de uma alemã numa relação estranha de desejo e não concretização.
Ele está no livro todo dentro e fora dos estereótipos, marcando talvez a única posição que nos permite acompanhar uma narrativa tão pesada, a de quem faz parte, mas mantém uma crítica sobre o próprio participar.
E se o livro foi tomado como o épico moderno, o Guerra e Paz do século 21, isso não nos deve surpreender, os grandes autores russos conseguiam contar histórias que por meio da vida do personagem central, falavam de uma época mas, falavam do agora também. As Benevolentes fala do Dr. Maximillian Aue e suas aventuras, desejos sonhos, amores e terrores, fala do nazismo e desse período sórdido da nossa história mas, fala mais que tudo, dos caminhos que tomamos às vezes por necessidade, às vezes sem dar-nos conta, mas que são caminhos coletivos, que muitas vezes não percebemos, e que a diferença entre aquele que tomou o caminho da sordidez e quem não o tomou, foi tão somente a falta da necessidade deste segundo “inocente”.
Por último, o lindo nome do livro, incompreensível até a última frase. As benevolentes, ou em grego, as Eumênides, eram as buscadoras da justiça e castigo pelo sangue. Um dos nomes pelos quais eram conhecidas era Eríneas, as Fúrias, sua aparição mais marcante nas tragédias gregas é no final da orestíade, na que perseguem Orestes pelo assassinato de sua mãe e padrasto que assinaram seu pai, Agamenon (o porque o fizeram á uma longa história, que como tudo nos gregos nunca tem fim, nem começo, como os porquês de cada um de nós, que tem várias explicações mas...). Ao final de toda a narrativa, quando o personagem já vislumbra a saída, anuncia que agora, consciente de seu passado e certo do que teria pela frente (lembrando que o livro é escrito como memórias), sabia que as Benevolentes haviam encontrado seu rastro. E as benevolentes nunca param.



3 comentários:

  1. Vou precisar de tempo prá ler com calma!
    Outra coisa: por que não configura o comentário para permitir que qualquer um comente?

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  2. Pronto, já reconfigurei, na verdade eu nem tinha mexido nessas configurações ainda...
    Take your time, depois vc me diz.

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  3. 900 páginas recheadas de escatologia, sordidez, violência, horror... Tem que ser muito bom para ter sido premiado pelo Gouncort e vender como vendeu!
    Dúvida: o autor é francês????

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